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A mostrar mensagens de março, 2024

User Friendly de Cliff Kuang e Robert Fabricant

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Existem vários livros sobre a história das tecnologias de informação e comunicação, mas existem muito poucos sobre a história da Interação Humano-Computador, e menos ainda sobre a sua vertente de design. “User Friendly. How the Hidden Rules of Design Are Changing the Way We Live, Work and Play” (2019) junta-se assim a " Make It New: A History of Silicon Valley Design " (2015) de Barry Katz. Ao contrário de “Make It New”, escrito por um académico, “User Friendly” é escrito por dois designers, Cliff Kuang também jornalista, e Robert Fabricant, antigo vice-presidente da célebre Frog Design. Os dois livros complementam-se muito bem, não só por conjugarem o olhar da academia e da indústria, mas porque não se limitam a seguir as mesmas linhas ou marcadores. Cliff Kuang e Robert Fabricant iniciam a a história de User Friendly com o caso paradigmático do acidente da central nuclear de Three Mile Island em 1979, e o relatório escrito na altura por Don Norman, referenciando este moment

Build de Tony Fadell

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Confesso uma certa desilusão com o livro "Build: An Unorthodox Guide to Making Things Worth Making" (2022) dadas as expectativas. Tony Fadell foi responsável por conceptualizar a fisicalidade do iPod e do iPhone. A interface circular foi invenção sua, e a interface touch do iPhone surgiu a partir de uma melhoria de um conceito antigo, o Pocket Crystal (1989) , em que tinha estado envolvido na General Magic. Talvez o melhor de tudo seja mesmo o seu relato sobre a General Magic, mas tudo o que ele aqui diz pode ser encontrado no muito mais interessante documentário de 2018 . De resto, Fadell entrega muito pouco ou nada, além dos conhecidos chavões de seguir a paixão, de trabalhar arduamente para conseguir emergir da multidão, esquecendo uma quantidade de outras variáveis que garantem o sucesso de uns em detrimento de outros.  Aliás, nesse sentido esperava maior transparência sobre o que foi invenção de Fadell, de Yve e Jobs . Pois, lendo este livro, no meio dos outros sobre

Uma Criança e um País no Fim da História

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Lea Ypi escreveu um clássico de leitura compulsiva e altamente recomendado. "Free: A Child and a Country at the End of History" (2022) é um livro de memórias escrito com base na estrutura coming-of-age que nos leva da sua infância à adolescência, enquanto disserta sobre a vida na Albânia nos anos 1980-90, entre os últimos anos do comunismo e os primeiros do liberalismo. Na primeira parte, Ypi regressa à infância, desvelando o modo como o mundo de ideais era criado e mantido ao seu redor pela professora da escola primária e pelas meias-verdades dos pais e avós. Quando em 1990 a ditadura cai, o seu mundo transforma-se, com os seus pais a revelar-lhe que nunca tinham apoiado o partido, nem Enver Hoxha ou Estaline. Ypi descobre do dia para a noite que todas as suas referências tinham sido construídas sobre uma mentira...  O isolamento de décadas conferiu à Albânia um exotismo singular no cenário europeu. Primeiro desligou-se da URSS, depois da China, sempre detestou o Ocidente

Choviam Pássaros (2011)

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Este livro, "E Choviam Pássaros" (2011) de Jocelyne Saucier, enquadra um mundo-história com aparente pouca novidade, apresentando um pequeno grupo de pessoas, no Canadá, que decide retirar-se da sociedade para viver no interior das florestas do norte, totalmente fora da rede. O que o torna distinto é o facto do grupo ser constituído por pessoas idosas, bastante além da idade de reforma, prontas a passar os derradeiros momentos de forma isolada e em total comunhão com a natureza. A juntar a isto, temos a escrita de Jocelyne Saucier que vai entaramelando aquilo que conta, de modo a criar todo uma fábula menos concreta, menos perfeita, oferecendo-lhe uma certa nebulosidade para criar a necessária distância, mantendo a privacidade daqueles que vamos observando. É um poema, é um hino à natureza humana, ao humanismo. Foi feito um filme, homónimo em 2019 , mas acho que não o consigo ver pois destruiria essa nebulosidade do mundo-história, tornaria tudo demasiado real, eliminando a

A "normalidade" de Auschwitz

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Apesar de “The Zone of Interest” (2023) de Jonathan Glazer ser baseado no livro (2014) homónimo de Martin Amis, o livro que melhor sustenta a realidade descrita por Glazer é “Comandante de Auschwitz: A Autobiografia de Rudolf Hoess” escrito em 1946, um ano antes de se cumprir a pena de morte ditada pelo Supremo Tribunal da Polónia. Primeiro, porque a adaptação de Glazer se destaca totalmente do livro de Amis, este usa nomes ficcionais à mistura com um enredo romântico! Segundo, porque Glazer coloca em cena a pessoa de Rudolf Hoess e a sua família, tal como a casa em que viveram. Comecei a ler a autobiografia atraído por um desconhecimento total da sua existência poucos dias antes de ver o filme e acabei de o ler poucos dias depois. A experiência de ambos forma um todo bastante desconfortável, com o livro a enquadrar a obscenidade e o filme a transgredir o espectador. “Comandante de Auschwitz” é o tipo de autobiografia que nunca leria porque se encaixa no registo de criminosos em série

A experiência do Deepfake

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"Another Body" (2023) é um documentário sobre o impacto de pornografia deepfake numa estudante norte-americana de engenharia. Dá conta do modo como a descoberta de múltiplos vídeos pornográficos alterados com a sua cara transforma totalmente a sua vida e até a sua personalidade. O filme ganhou vários prémios por tratar um tema de extrema relevância para o qual ainda não existem leis, e em particular pela forma inovadora de dar voz às vítimas, ao utilizar o próprio deepfake para que as vítimas pudessem anonimamente. O trabalho é de excelência, não se percebe nunca que é deepfake , a não ser quando propositadamente se mostra a variabilidade do efeito para que se perceba que é deepfake . A enorme vantagem desta abordagem é que permite um acesso direto à emocionalidade das pessoas reais, tornando todo o processo de storytelling mais intenso. Apesar do brilho técnico, "Another Body" é um documentário angustiante pelo impacto demonstrado na vida das vítimas e pelo enqua