Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Não-Ficção

A Vida é Difícil (2022)

Imagem
Kieran Setiya, professor de filosofia no MIT, não oferece ilusões em Life is Hard . Desde o início, reconhece que os problemas da vida — pessoais, políticos, existenciais — são demasiado grandes para serem resolvidos apenas pela razão. Mas a filosofia, ainda assim, pode oferecer algo: não a cura, mas apaziguamento. Este livro é menos um tratado sistemático do que um passeio reflexivo. Setiya convoca grandes nomes — Iris Murdoch, Virginia Woolf, Simone Weil, Adorno, Marx, a Escola de Frankfurt — mas fá-lo com uma leveza rara no meio académico. Nunca pesa sobre o leitor; antes conduz-nos como quem conversa ao final da tarde, sentado à sombra, olhando o mar. Recuperando conceitos do seu livro anterior, Midlife: A Philosophical Guide , Setiya revisita a distinção entre atividades télicas (com um fim) e atélicas (sem fim), mas desta vez reconhece abertamente a importância da narrativa. É importante chegar ao fim e obter sentido, criar significado, não podemos é transformar tudo na vida ...

"Careless People" (2025), diz mais sobre a autora do que sobre a Meta

Imagem
Comecei a ler " Careless People: A Cautionary Tale of Power, Greed, and Lost Idealism " (2025), de Sarah Wynn-Williams, com alguma expectativa. Os bastidores do Facebook, revelados por uma antiga diretora de políticas públicas, prometiam um testemunho direto sobre os conflitos éticos numa das empresas mais influentes das últimas duas décadas. Esperava encontrar uma análise crítica, sim, mas também ponderada, talvez mesmo auto-reflexiva. O que encontrei, contudo, foi um texto em que a denúncia se transforma numa narrativa unidimensional, saturada por ressentimento, onde todas as outras figuras — dos próprios pais à liderança da Meta — são retratadas como tontas, desatentas ou moralmente falidas. Se para muitos, o livro serve de catarse em mais um ataque ao Facebook, para mim funcionou como desconfiança do que se ia dizendo até à total descredibilização da história e da autora. É importante reconhecer que "Careless People" se insere no género do whistleblower memoir ....

Notas sobre "Everything Must Go" (2025)

Imagem
Terminei recentemente a leitura de Everything Must Go: The Stories We Tell About the End of the World de Dorian Lynskey, ou, para ser honesto, li até ao meio e depois fui lendo na diagonal. Não que o livro não tenha o seu valor. Lynskey apresenta um levantamento cronológico impressionante das narrativas sobre o fim do mundo, começando na Bíblia e avançando pelos séculos, atravessando temas como o último homem, a bomba, as máquinas ou pandemias. Um trabalho árduo, sem dúvida. Porém, a sensação dominante ao virar cada página foi a de uma oportunidade desperdiçada. O problema não está sequer na escolha de um enfoque marcadamente ocidental e cristão — uma limitação evidente, mas que aceitaria se viesse acompanhada de uma proposta clara. O verdadeiro vazio do livro reside naquilo que nele falta: pensamento. Lynskey faz um inventário, mas nunca arrisca uma interpretação, nunca procura responder ao que estes mitos e medos revelam sobre nós enquanto espécie, cultura ou sociedade. Tudo se...

Uma breve História da Inteligência

Imagem
" A Brief History of Intelligence: Evolution, AI, and the Five Breakthroughs That Made Our Brains " (2023) de Max Bennett é uma obra que nos transporta numa viagem fascinante pela evolução da inteligência humana, explorando como os avanços biológicos moldaram a nossa capacidade cognitiva e como essa visão tem vindo a informar o desenvolvimento da inteligência artificial (IA). Bennett identifica cinco transformações cruciais na evolução do cérebro biológico que suportariam os avanços na inteligência humana, cada um construído sobre o anterior para culminar na forma de inteligência que caracteriza hoje os seres humanos. O primeiro avanço, a Direção ( steering ) , refere-se à capacidade de se mover intencionalmente em resposta a estímulos. Este é o ponto de partida para qualquer forma de vida interagir com o ambiente de forma eficaz, permitindo aos organismos satisfazer necessidades básicas como encontrar alimento ou evitar predadores. A direção é fundamental para a sobrevivênci...

Literatura de Viagem

Imagem
"Border: A Journey to the Edge of Europe" (2017), não funcionou comigo. A búlgara Kapka Kassabova fala-nos de um lugar onde se cruza a fronteira entre a Bulgária, a Grécia e a Turquia, ao lado de um maçiço montanhoso, designado Strandja, que dá para o Mar Morto, tudo qualificado como a antiga região da Trácia. Quis muito ler, pensando que encontraria aqui mais uma pequena jóia como "Free" de Lea Ypi , contudo, acabou sendo uma enorme desilusão. Percebi só depois de ter desistido porquê. "Border" pertence a um género literário de que não sou particularmente fã, a Literatura de Viagem. Não gostando muito de viajar, o meu problema com este tipo de literatura tem que ver com o facto de se centrar no Espaço-Tempo, o mundo que nos quer apresentar, deixando de fora os Personagens, as suas vidas, que é aquilo que realmente me interessa na literatura. Kapka Kassabova, é uma poeta que tudo faz para dourar exotismo do mundo que nos apresenta, mas que apesar de o faze...

Comer o Buda (2020)

Imagem
Com muita pena, não funcionou comigo. Vinha com imensas expectativas, queria muito lê-lo, pois tinha adorado “Nothing to Envy” (2009) , focado na Coreia do Norte. A abordagem aqui seguida é muito próxima. Demick escolhe um conjunto de personagens da cidade de Ngaba , no Tibete, e segue os fios narrativos das suas vidas. Contudo, as histórias destes personagens acabam por falhar na explanação do real alcance dos efeitos da invasão e totalitarismo imposto pela China no Tibete.     A contextualização da invasão, nos anos 1950, apresenta um bom recorte do que aconteceu, colocando a nu a colonização forçada, realizada pela China em pleno século XX. Surpreende que tenha sido possível, contudo o livro de Demick caracteriza suficientemente o povo tibetano para compreendermos o fundo da questão. Ao fim de décadas a sonhar com pacifismo, aprendi que no nosso planeta não existe lugar para tal. Se um país quer ser independente, tem de lutar por isso. Mesmo o pacifismo de Gandhi não foi...

Generalistas e Especialistas, mais uma vez

Imagem
O tema é extremamente importante, mas o livro, apesar de algumas partes boas, não passa de um conjunto de histórias coladas umas atrás das outras. É jornalismo de ciência, serve bem a quem nunca ouviu falar do assunto, mas o assunto está longe de ser novo. Isto para não dizer que os dotes de contar histórias de Epstein ficam alguns pontos abaixo de outros autores que fizeram carreira na escrita deste tipo de livros — Malcolm Gladwell, Geoffrey Colvin ou Daniel Coyle — criando várias zonas de tédio ao longo do livro, especialmente pela repetição da estrutura dos capítulos — história principal, estudos, histórias — ausente de foco e ligação ao todo. Concordo que no domínio dos desportos, música e competição a tradição nos tem trazido quase só livros focados no treino intensivo desde cedo, as 10 mil horas — “ Outliers: The Story of Success ” (2008) de Malcolm Gladwell; “ Talent Is Overrated: What Really Separates World-Class Performers from Everybody Else ” (2008) de Geoffrey Colvin, ou “...

O simplismo de "Atomic Habits"

Imagem
"Atomic Habits" (2018) está no top dos livros de não-ficção e de auto-ajuda há vários anos. Inicialmente não lhe prestei atenção, pois não me parecia trazer nada de novo. Contudo, com o passar dos anos, e com tanta recomendação, acabei por ceder a dedicar-lhe alguma atenção e tentar perceber o que tínhamos ali. A intuição inicial estava certa. Não só não há aqui nada de novo, como o que aqui temos apesar de poder parecer muito interessante para um número alargado de pessoas, pode transformar-se em algo problemático para quem padece de reais patologias do foro psicológico. O problema, é que o comportamento humano é algo tão complexo como aquilo que faz de nós aquilo que somos, e se reduzido a conjunto de indicadores simplistas —que até podem ser aplicados no design de um serviço ou de uma máquina — não devem ser listados, vendidos, desta forma como prontos a resolver os problemas de tudo e todos. A isto juntam-se as certezas do autor, dignas do autoconvencimento do ChatGPT. O ...

Muito barulho por nada

Imagem
“Co-Intelligence: Living and Working with AI” (2024) de Ethan Mollick transformou-se num sucesso de vendas e citações em muito pouco tempo, pelo que apesar do título não me oferecer nada de novo, acabei por ceder a ler para perceber de que era feito o hype. Não passou disso mesmo, ‘muito barulho por nada’. Mollick é um professor de gestão e inovação, grande entusiasta desta última geração de IA, pelo que dedica todo o livro a discutir as experiências que tem feito, a maior parte delas a nível meramente pessoal, ou seja, sem evidências. Por outro lado, quando cita estudos, fá-lo de forma ligeira, extraindo o que lhe interessa e ignorando o que não interessa, não mencionando o escopo e amostras reduzidas dos mesmos. Alguns casos são mesmo gritantes, e um deles abre logo o livro pelo que o transcrevo abaixo [1]. Ou seja, é um livro para amantes desta nova IA, para todos aqueles que acreditam que vão ter um assistente para fazer todo trabalho chato por si, mais, para todos os que pensam qu...

Nexus (2024)

Imagem
Este é o 4º livro de Harari que leio, depois de " Sapiens " (2011), " Homo Deus " (2015) e " 21 Lições " (2018), pelo que a minha experiência de leitura refletirá essas mesmas leituras prévias. Assim, se leram os livros anteriores, não esperem encontrar aqui qualquer nova ideia. Harari mantém-se colado aos temas desses livros prévios, com maior ênfase em Homo Deus e 21 Lições . O que Harari aqui tenta fazer novo é criar um modelo de análise política baseado em sistemas de informação, recorrendo a todo o seu conhecimento de História, juntando-o à sua sagacidade de análise e interpretação dos sinais contemporâneos. Contudo, esse modelo que parece ser o ponto de arranque do livro, e do próprio título, depressa passa a segundo plano para se centrar no que mais gosta de fazer, as análises de casos — questões éticas sobre política e  tecnologia — a partir do que vai realizando pequenas abstrações sobre a realidade.  O modelo que Harari começa por tentar desenha...

Dostoiévski: uma vida íntima

Imagem
O título afastou-me, “Dostoevsky in Love” (2021), mas algumas críticas ao livro levaram-me a perceber que havia aqui algo mais. Alex Christofi não entrega um livro sobre os romances do escritor, apesar de falar deles, o foco é antes aquilo que aparece em subtítulo, “ An Intimate Life ”, que vai dos amores às obsessões, doenças, humilhações, torturas, e claro, a fé. Mas o que torna esta obra verdadeiramente incontornável é o seu processo de criação. Christofi começa por falar na ausência de uma autobiografia que Dostoiévski quis escrever mas acabou por não o fazer, pelo que Christofi procura exatamente chegar aqui àquilo que poderia ter sido essa autobiografia, ou como lhe chama o autor, "memórias reconstruídas". Para o efeito, faz algo, academicamente nada aconselhável, como ele própria afirma, mas que acaba resultando num trabalho imensamente poderoso. “Dostoevsky in Love” apresenta-se como um pedaço de tecido da vida de Dostoiévski, costurado de forma uniforme e homogéna a ...

Reportagem a partir de um País Perdido

Imagem
Novaya Gazeta foi um jornal independente pró-democracia criado na Rússia em 1993, reconhecido internacionalmente pelas suas reportagens de investigação com o prémio Nobel da Paz em 2021 atribuído ao fundador e chefe de redação Dmitry Muratov, com a menção: "pelos seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma condição prévia para a democracia e para uma paz duradoura". Desde 2000, este jornal perdeu 6 jornalistas, entre os quais Anna Politkovskaya , todos assassinados enquanto realizavam os seus trabalhos de investigação. Elena Kostyuchenko , descobriu a sua paixão pelo jornalismo quando tinha 14 anos, por volta de 2000, ao ler os textos de Anna Politkovskaya. Com apenas 17 anos, entrou para a equipa do jornal. Em 2014, foi quem demonstrou, através da sua investigação, que existiam tropas russas no Donbass. Com a invasão da Ucrânia em Fevereiro 2022, Kostyuchenko passou 4 semanas na linha da frente a reportar as atrocidades das tropas russas. Em setembr...

IA Generativa, um gerador de novos factos

Imagem
Li dois livros seguidos sobre a febre da IA Generativa — o primeiro “Creativity Code” (2019), escrito por Marcus du Sautoy como resposta ao impacto do GPT-1, e “Brave New Words” (2024), escrito por Salman Khan, o guru que criou a Khan Academy , como resposta ao impacto do GPT-4 — e confesso ter ficado boquiaberto, não com os feitos do GPT, mas com o deslumbramento dos autores, principalmente no segundo caso, com o livro a funcionar como uma declaração de fé na IA Generativa, suportada diretamente pela Open AI e Bill Gates. Se acalentava dúvidas quanto ao efetivo impacto da IA Generativa fora do domínio criativo, o fervor apresentado por estes livros tornou bastante claro para mim que o rei vai nu. Tudo o que vou escrever a seguir tem que ver com IA Generativa que é distinta da tradicional IA Preditiva. A segunda está relacionada com o novo mundo em que vivemos, construído sobre informação digital, dados digitalizados, que em grande número se tornam quase impossíveis de analisar por nós...

Uma Teoria de Todos, por Michael Muthukrishna

Imagem
O livro “A Theory of Everyone: Who We Are, How We Got Here, and Where We’re Going” (2023) de Michael Muthukrishna é um sucessor de um conjunto de livros que usam a ciência para construir e apresentar uma visão global do ser humano neste planeta — tais como “Sapiens” (2011) de Y. N. Harari , “Guns, Germs and Steel” (1997) de Jared Diamond , e “ Cosmos ” (1980) de Carl Sagan —, indo mais longe, porque recorre ao conhecimento mais atual da ciência, mas mantendo as fragilidades naturais da generalização de sistemas complexos. Como tal, deve ser lido como uma narrativa em busca de uma visão agregadora de valor e significado, sabendo que a natureza não é planeada, mas improvisada. Ou seja, apesar da enorme credibilidade da argumentação apresentada por este autor, e pelos anteriores, é sempre necessário manter o véu da dúvida ativo.  Estas narrativas são imensamente atrativas para os nossos cérebros que estão desenhados para a construção de padrões e atribuição de significados. Tudo para ...