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Sentir antes de dizer

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O livro " Sentience: The Invention of Consciousness " (2022) de Nicholas Humphrey propõe uma explicação funcional da consciência que a aproxima de uma estratégia evolutiva de sobrevivência. A sua tese central distingue entre dois tipos de consciência — a cognitiva e a fenomenológica —, sendo esta última a que dá cor e textura à experiência de estar vivo. Humphrey descreve a consciência não como uma janela para o mundo, mas como um palco interno onde o organismo sente o impacto de estar no mundo. Viver, para Humphrey, é assum mais do que existir, é sentir.  Este ponto de partida, que aproxima a consciência da emoção, sugere uma base comum com autores como António Damásio (1994), para quem a consciência emerge do corpo e das emoções que regulam a sua homeostasia. No entanto, à medida que o livro avança, Humphrey hesita em assumir essa ligação plena. Quando se aproxima da animalidade ou do corpo como sede do sentir, recua para explicações adaptativas, evitando nomear a emoção....

Destruição Social

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A série Little Bird é uma obra televisiva canadiana que nos mergulha no terror das consequências do " Sixties Scoop ", um período sombrio da história do Canadá. Durante as décadas de 1950 a 1980, milhares de crianças indígenas foram removidas à força das suas famílias e comunidades, sendo adoptadas por famílias não indígenas. Esta política visava a assimilação cultural, mas acabou por se transformar numa ação de profunda destruição social, criando traumas profundos na identidade de todos os envolvidos. A série é baseada em factos reais . A narrativa da série centra-se em Bezhig Little Bird, interpretada por Darla Contois, uma mulher indígena adoptada por uma família judaica em Montreal. Ao longo dos episódios, acompanhamos a sua autodescoberta e o modo como se tenta religar às suas raízes, enfrentando tudo e todos, num autêntico carrossel de emoções intensas decorrentes da adoção forçada. A série destaca-se pela abordagem psicológica de temas complexos, como identidade, pert...

O sofrimento na literatura

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"Ceci n’est pas un fait divers" (2023) de Philippe Besson é uma obra que aborda o feminicídio através da escalpelização psicológica dos efeitos emocionais deste evento traumático numa família. O ponto de vista é distinto, já que apresentado pelos olhos do irmão mais velho (19), que fica para cuidar da irmã mais nova (13). Contudo, se a intensidade emocional da experiência é elevada, o livro levanta-me questões sobre os propósitos da literatura. Um dos pontos fortes do livro é a gestão de informação e de emoção por Besson, que demonstra habilidade no controlo do suspense e na criação de dor no leitor. Os embates emocionais são particularmente intensos no início e no final da narrativa, levando o leitor através de uma montanha-russa psicológica. Este mergulho profundo no sofrimento das personagens permite um acesso privilegiado ao trauma do acontecimento. Por outro lado, revela um dos principais problemas da obra pelo modo como se centra quase exclusivamente no evento ocorri...

Cartas para o futuro

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“ Season: A Letter to the Future ” (2023) apresenta um mundo-jogo recriado a partir da mistura entre o jogo “ Journey ” (2012) o universo visual de Hayao Miyazaki para nos oferecer um universo-história muito particular, um fim-do-mundo acolhedor! No mundo do jogo, a cada nova estação quase tudo termina, quase tudo muda, perdendo-se muita da cultura criada. Para contrariar essa perda o personagem principal recebe como missão da sua mãe ir pelo mundo e registar o máximo possível para as gerações vindouras. Para o efeito, leva consigo um caderno no qual pode registar fotografias, desenhos e sons, viajando por meio de uma bicicleta.  “Season” oferece-nos 8 horas de relaxamento, obrigando-nos a reduzir a velocidade do dia-a-dia, a parar para olhar e apreciar o que existe à nossa volta. Não temos objetivos concretos, cabe-nos passear, ver o máximo de coisas e registá-las. Todo o mundo audiovisual assim como o fluxo interativa funciona no sentido de apaziaguamento, próximo de Journey, mas...

Os Quatro Reinos da Existência (2023)

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" The Four Realms of Existence: A New Theory of Being Human " (2023) não passa de um amontoado de ideias do autor, misturadas com ideias de outros autores, sobre as quais LeDoux foi refletindo enquanto estava preso em casa durante a pandemia COVID-19. Falta-lhe uma ideia, uma estrutura capaz de construir e entregar essa nova ideia, falta muita edição e reescrita. LeDoux limita-se a juntar tudo num novo envelope a que dá o nome de Quatro Reinos da Existência divididos entre Biológico, Neurobiológico, Cognitivo e Consciente. Não se percebe o que são esses reinos, nem porquê estes quarto e não apenas 3, nomeadamente na relação entre o cognitivo e o consciente, mas não só. Mais à frente resolve pegar no modelo sistema dual da cognição, definido por Daniel Kahneman, para o repropor como sistema trial, acrescentando-lhe os reinos Neurobiológico e Consciente ao cognitivo, deixando de fora o biológico!   Mas tudo isto não me chocaria, dado todo o trabalho prévio de LeDoux, o enorme...