User Friendly de Cliff Kuang e Robert Fabricant

Existem vários livros sobre a história das tecnologias de informação e comunicação, mas existem muito poucos sobre a história da Interação Humano-Computador, e menos ainda sobre a sua vertente de design. “User Friendly. How the Hidden Rules of Design Are Changing the Way We Live, Work and Play” (2019) junta-se assim a "Make It New: A History of Silicon Valley Design" (2015) de Barry Katz. Ao contrário de “Make It New”, escrito por um académico, “User Friendly” é escrito por dois designers, Cliff Kuang também jornalista, e Robert Fabricant, antigo vice-presidente da célebre Frog Design. Os dois livros complementam-se muito bem, não só por conjugarem o olhar da academia e da indústria, mas porque não se limitam a seguir as mesmas linhas ou marcadores.

Cliff Kuang e Robert Fabricant iniciam a a história de User Friendly com o caso paradigmático do acidente da central nuclear de Three Mile Island em 1979, e o relatório escrito na altura por Don Norman, referenciando este momento como nascimento do conceito académico. Contudo, não se fica por aqui, sendo daí a parte mais interesante, o recuo até ao início do século passado para repescar o trabalho dos designers Henry Dreyfuss e Alphonse Chapanis, e dos psicólogos Stanley Smith Stevens e  Paul Fitts, todos eles centrados em tentar compreender a relação entre os utilizadores e as máquinas (carros e aviões), desacreditando a ideia de que cabe ao humano aprender e adaptar-se, se aquilo que procuramos é diminuir o factor de erro.

Apesar do livro focar os mais reconhecidos Don Norman, Dieter Ram ou John Maeda assim como a influência de Steve Jobs, o enorme destaque dado ao trabalho de Henry Dreyfuss foi para mim o melhor de todo o livro, com Dreyfuss a trabalhar as bases do que se viria a tornar no domínio da Ergonomia, a engenharia dos fatores humanos, em que depois todos os outros puderam beber. O seu design mais icónico é sem dúvida o do telefone preto de disco, o Modelo 500, criado em 1953, e que muitos de nós tínhamos em nossas casas nos anos 1980. O trabalho metódico, de estudo dos fatores humanos, fez com que o telefone se adaptasse tão bem às necessidades humanas que acabaria por se tornar no modelo a seguir por todo os outros. 

“The design of the handset itself, with the mouthpiece at one end and the earpiece at the other, made it possible to use a telephone with one hand, while a flat surface for resting the handset between your head and shoulder freed both hands entirely. Both details made talking on the telephone something that could be done while doing something else. They made phones and conversation a more natural part of everyday life.”

Dreyfuss chegou mesmo a publicar um livro alegadamente sobre o seu processo de design chamado “The Measure of Man and Woman” (1967), que como o nome indica se centrava na obsessão por medir exaustivamente as condicionantes humanas por forma a garantir o melhor design possível. Contudo Cliff Kuang e Robert Fabricant referem, e bem, que não basta coletar evidência empirica do ser-humano, Dreyfuss usava toda essa base para ao sabor da sua intuição criar. Ou seja, todo o processo científico era filtrado por meio de uma caixa negra, que conferia a pessoalidade do criador. Este ponto é relevante porque não podemos fazer Design de Interação apenas com base em processos de avaliação dos seres humanos, que é algo que percebo como expectativa em quem se aproxima desta área sem qualquer formação artística ou criativa. O design é mais do que medir, avaliar ou deduzir, assenta num processo criativo que se baseia em processos holísticos suportados pela experiência e formação do designer.

Os autores dão ainda bom destaque à “The Mother of All Demos” de Douglas Engelbart, seguindo depois pelo relato mais recente e tradicional do desenvolvimento das tecnologias da informação, destacando a Apple e a IDEO. Não sendo um livro revolucionário, é uma leitura fluída, carregada de dados e inspiradora.

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