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Atos Humanos (2014)

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Há livros que não se leem apenas — atravessam-nos. Atos Humanos, de Han Kang, é um desses livros. Terminei a leitura durante a semana que passou, mas ainda não me desliguei dele. Não é um romance que se devore; é um texto que se suporta, por vezes com dificuldade, como quem segura na mão um fragmento de memórias indigestas mas necessárias. Desconhecia os acontecimentos de Gwangju em 1980. Foi um choque. Sei o quão dificil tem sido a história da Coreia do Sul, desde a relação com o Japão, ao problema da divisão nunca sanada entre norte e sul, mas não tinha ideia das ditaduras que governaram o país nos anos mais recentes, e menos ainda desta violentíssimo golpe de Estado e de todo o horror que se lhe seguiu. A brutalidade da repressão, a frieza institucional, e sobretudo o apagamento deliberado da história. Ao dar corpo a essas vozes silenciadas, Han Kang transforma o romance numa forma de acusação e num veículo de memória coletiva. Se em A Vegetariana já se sentia uma escrita afiad...

"Careless People" (2025), diz mais sobre a autora do que sobre a Meta

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Comecei a ler " Careless People: A Cautionary Tale of Power, Greed, and Lost Idealism " (2025), de Sarah Wynn-Williams, com alguma expectativa. Os bastidores do Facebook, revelados por uma antiga diretora de políticas públicas, prometiam um testemunho direto sobre os conflitos éticos numa das empresas mais influentes das últimas duas décadas. Esperava encontrar uma análise crítica, sim, mas também ponderada, talvez mesmo auto-reflexiva. O que encontrei, contudo, foi um texto em que a denúncia se transforma numa narrativa unidimensional, saturada por ressentimento, onde todas as outras figuras — dos próprios pais à liderança da Meta — são retratadas como tontas, desatentas ou moralmente falidas. Se para muitos, o livro serve de catarse em mais um ataque ao Facebook, para mim funcionou como desconfiança do que se ia dizendo até à total descredibilização da história e da autora. É importante reconhecer que "Careless People" se insere no género do whistleblower memoir ....

O nascer do Oeste americano

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A série "American Primeval" (2025), dirigida por Peter Berg, representa uma disrupção dos cânones narrativos e estéticos do género Western. O argumento da série, de Mark L. Smith, oferece uma desconstrução do Western clássico, recusando a glamourização de heróis, pioneiros e mesmo nativos. Explora-se o sofrimento humano, a violência sistémica e as profundas ambiguidades morais que moldaram a expansão para o Oeste americano.  Com uma escrita arrojada, cinematografia imersiva e performances notáveis, este novo olhar redefine um mundo que tem sido mitificado com base numa imaginário longe da realidade. O trabalho de câmara e fotografia, destaca-se por uma abordagem crua e atmosférica. O uso de paletas de cores frias e sombrias e de enquadramentos sobre a vastidão das paisagens conferem à série um tom introspectivo. A natureza pode ser bonita, mas não deixa de ser mais um elemento hostil que condiciona a vida e as relações interpessoais naquele lugar, recordando "Butcher...

Marzahn, Alemanha de Leste

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Katja Oskamp surpreende-nos com a sua obra “Marzahn, Mon Amour” (2019), um livro que, em poucas páginas, apresenta complexidade e sensibilidade raras. Um retrato intimista e muito humano da vida em Marzahn, um bairro na antiga Alemanha de Leste, contado através de uma perspetiva inesperada: a de uma pedicura. A protagonista de Oskamp é uma escritora que, frustrada pela insuficiência financeira da sua carreira, decide abandonar o mundo literário e tornar-se pedicura. Esta mudança, que poderia parecer um retrocesso aos olhos de muitos, é, na realidade, uma decisão profundamente libertadora. É fascinante acompanhar este percurso que nos revela a coragem de trocar uma profissão socialmente prestigiada por outra menos glamorosa, mas que lhe traz um sentido de satisfação e conexão com pessoas reais. Oskamp conduz-nos pelas histórias das clientes que frequentam o salão de pedicura. Cada visita torna-se uma janela para o quotidiano de uma região marcada pela história recente. A autora mostra u...

Comer o Buda (2020)

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Com muita pena, não funcionou comigo. Vinha com imensas expectativas, queria muito lê-lo, pois tinha adorado “Nothing to Envy” (2009) , focado na Coreia do Norte. A abordagem aqui seguida é muito próxima. Demick escolhe um conjunto de personagens da cidade de Ngaba , no Tibete, e segue os fios narrativos das suas vidas. Contudo, as histórias destes personagens acabam por falhar na explanação do real alcance dos efeitos da invasão e totalitarismo imposto pela China no Tibete.     A contextualização da invasão, nos anos 1950, apresenta um bom recorte do que aconteceu, colocando a nu a colonização forçada, realizada pela China em pleno século XX. Surpreende que tenha sido possível, contudo o livro de Demick caracteriza suficientemente o povo tibetano para compreendermos o fundo da questão. Ao fim de décadas a sonhar com pacifismo, aprendi que no nosso planeta não existe lugar para tal. Se um país quer ser independente, tem de lutar por isso. Mesmo o pacifismo de Gandhi não foi...

A extinção da razão

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 “The Extinction of Experience: Being Human in a Disembodied World” (2024) era um livro que eu queria muito ler e queria muito gostar. Mas Christine Rosen não escreveu um livro sobre a Experiência Humana, antes listou um rol de queixas contra as mais recentes tecnologias de comunicação — ecrãs, smartphones, rede sociais, realidade virtual, IA, etc —, falhando na sustentação com evidências para a maior parte dessas queixas. Não basta citar um artigo aqui e um estudo ali. As evidências de impactos sociais, mais ainda no caso dos psicológicos, requerem amplos estudos, muito acima dos normais 30, 40 ou 60 individuos dos estudos isolados. Requerem replicação cuidada nas mais diversas culturas e circunstâncias e manutenção das condições e evidências ao longo do tempo. Utilizar estudos isolados para tecer causalidades sobre o estado da civilização como um todo é ingenuidade, para não dizer algo pior. Tanto aqui, como no outro, muito mais badalado, e já traduzido em Portugal, livro, “ A Ge...

Empathetic violence

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I've attempted to start reading ‘The Kindly Ones’ (2006) several times over the years, but without success. This time, I was more determined, driven by Delphine de Vigan's ideas about fiction and truth. I managed to force myself through the first 100 pages, but then I became bored. I struggled through 200 pages, 300 pages, and finally gave up at 350 pages. The initial premise of following the psychological interior of an SS officer during World War II intrigued me. Littell creates a realistic work, but he spends a long time describing seemingly trivial details. We follow the SS officer almost in real time, everything he does, all the people he talks to, his questions, doubts, and discomforts, but most notably, his enormous indifference to everything. While initially this indifference made it easier for me to visualize the Nazi crimes, making the graphic violence more emotionally neutral, gradually this indifference began to taint everything, rendering everything meaningless. Li...

Kindred (1979)

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“Kindred” é um livro do seu tempo, mas é um livro que continua a fazer pleno sentido ser lido nas escolas, nomeadamente dos EUA, e  que não faria mal nenhum sê-lo também na Europa e América Latina. Octavia Butler é reconhecida como a primeira autora negra de ficção científica, e este seu livro é uma das evidencias que sustenta esse reconhecimento. Não só o tema é profundo, como o cenário usado para o discutir é emocionalmente inteligente. Temos uma escritora afro-americana nos anos 1970 que se vê de repente regressada ao passado da escravatura no sul dos EUA, tendo de lidar com as normas sociais do início do século XIX sob a cor da sua pele. O resultado apresenta-se como uma fusão, muito conseguida, entre “Time Machine” (1895) de HG Wells e “Beloved” (1987) de Toni Morrison. Entretanto, o livro ganhou uma adaptação recente para televisão . "Kindred" pode ser visto como uma simulação laboratorial, pela ficção, da vida em tempos de escravatura, oferecendo-nos não apenas a persp...

Nexus (2024)

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Este é o 4º livro de Harari que leio, depois de " Sapiens " (2011), " Homo Deus " (2015) e " 21 Lições " (2018), pelo que a minha experiência de leitura refletirá essas mesmas leituras prévias. Assim, se leram os livros anteriores, não esperem encontrar aqui qualquer nova ideia. Harari mantém-se colado aos temas desses livros prévios, com maior ênfase em Homo Deus e 21 Lições . O que Harari aqui tenta fazer novo é criar um modelo de análise política baseado em sistemas de informação, recorrendo a todo o seu conhecimento de História, juntando-o à sua sagacidade de análise e interpretação dos sinais contemporâneos. Contudo, esse modelo que parece ser o ponto de arranque do livro, e do próprio título, depressa passa a segundo plano para se centrar no que mais gosta de fazer, as análises de casos — questões éticas sobre política e  tecnologia — a partir do que vai realizando pequenas abstrações sobre a realidade.  O modelo que Harari começa por tentar desenha...

Canção do Profeta (2023)

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Este livro de Paul Lynch coloca-nos face à questão determinante que uma mãe (de 4) tem de tomar quando a Irlanda é tomada pela extrema-direita, iniciando um processo de instalação totalitarista e uma guerra contra as forças rebeldes emergentes, abandonar ou não abandonar o seu país, a sua casa, o seu marido acabado de ser preso, em parte incerta, por realização de manifestação sindical. Esta é uma questão fundamental que já me coloquei múltiplas vezes, a propósito dos judeus na Alemanha a partir de 1933 , mas também em muito  outros  cenários dos últimos 100   anos , onde rebentaram guerras ideológicas que conduziram à destruição de milhões de vidas. Quando lemos os relatos desses cenários, passados anos, dezenas de anos, é tão fácil questionar — “porque não fugiram?” Por outro lado, esta nossa questão não deixa de conter uma profunda hipocrisia, pelo modo como os nossos próprios países se foram comportando, na relação para com os refugiados provenientes desses cenário...

Refugiados numa teia kafkiana

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“Eu Vou, Tu Vais, Ele Vai” (2015) de Jenny Erpenbeck trata dos refugiados na Europa provenientes do continente africano, um tema mediático, mas nem por isso menos terrível por tudo o que encerra. O livro foca-se sobre a burocracia kafkiana criada pela Europa para evitar que os migrantes criem esperanças de facilitismo no processo de entrada. Ainda assim, são apresentados alguns relatos, bastante reais e crus dos países de origem e fuga, assim como da travessia do Mediterrâneo.  A escrita é boa, ainda que tenha sentido algum emaranhar nas descrições que não sei se é fruto da tradução a partir do alemão, apesar disso, a atmosfera eleva-se e envolve-nos.   Erpenbeck destaca-se pelas imagens que cria, nomeadamente o caso de abertura do livro, do lago por detrás da casa do professor universitário reformado em que morreu uma pessoa, e que agora o impede de aí tomar banho por não se conseguir desligar da presença do corpo... A autora não se limita a mostrar o lado negro das vivê...

"O Regresso" (2016)

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"O Regresso" (2016) de Hisham Matar é um livro autobiográfico com um fundo histórico internacional, pelo que nunca seria uma perda de tempo por tudo o que aqui podemos aprender, mais ainda quando essa história é distante da nossa, ou pouca reconhecida internacionalmente como é o caso da história da criação da Líbia moderna, no século XX, com a invasão e genocídio levado a cabo por Itália que levaria depois ao poder um dos mais inumanos ditadores desse século, Khadafi. A estrutura e a escrita são atrozmente atabalhoadas durante os primeiros 2/3. Não se constrói qualquer linha narrativa, apesar de se referir a ela desde o título, tudo vai sendo construído através de pequenas historietas sobre dezenas de personagens — tios, tias, primos e conhecidos — que contribuem para criar a ideia de família, conceito que nunca sai da abstração pela total falta de ligação entre as historietas dessas pessoas. As historietas raramente descolam dos aspetos descritivos, mesmo quando o autor cede...

Uma carta postal enviada do passado

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“La Carte Postale” (2021) é um livro particularmente emocionante pelo modo como romanceia parte da História que serve de cenário a uma saga familiar que atravessa de Moscovo a Paris, passando pela Letónia, Polónia, Israel, terminando na interseção entre Alemanha e França, em plena Segunda Grande Guerra. O livro baseia-se na família da autora, Anne Berest, e inicia-se no momento em que a família recebe um postal na caixa de correio (ver a capa do livro), já em 2003, no qual vêm inscritos os nomes dos bisavós e tios de Anne — Ephraim, Emma, Noemie, Jacques —, todos desaparecidos em 1942, num campo de concentração na Polónia. O livro leva-nos atrás da investigação de Anne para descobrir quem terá enviado o dito postal e com que intenções. Pelo meio vamos descobrir a história daquelas 4 pessoas, do muito que atravessaram antes e durante a guerra, mas em essência vamos descobrir uma grande parte da História por detrás do colaboracionismo francês no tempo da ocupação francesa pelos Nazi. O t...

Reportagem a partir de um País Perdido

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Novaya Gazeta foi um jornal independente pró-democracia criado na Rússia em 1993, reconhecido internacionalmente pelas suas reportagens de investigação com o prémio Nobel da Paz em 2021 atribuído ao fundador e chefe de redação Dmitry Muratov, com a menção: "pelos seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma condição prévia para a democracia e para uma paz duradoura". Desde 2000, este jornal perdeu 6 jornalistas, entre os quais Anna Politkovskaya , todos assassinados enquanto realizavam os seus trabalhos de investigação. Elena Kostyuchenko , descobriu a sua paixão pelo jornalismo quando tinha 14 anos, por volta de 2000, ao ler os textos de Anna Politkovskaya. Com apenas 17 anos, entrou para a equipa do jornal. Em 2014, foi quem demonstrou, através da sua investigação, que existiam tropas russas no Donbass. Com a invasão da Ucrânia em Fevereiro 2022, Kostyuchenko passou 4 semanas na linha da frente a reportar as atrocidades das tropas russas. Em setembr...

Catarina e a Beleza de Matar Fascistas

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Tiago Rodrigues começou a germinar a peça “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas” (2020) em outubro de 2017, quando foi noticiado o célebre acórdão do juiz Neto Moura, do caso de violência doméstica em que o marido e o ex-amante agrediram uma mulher com uma moca de pregos, valorizando-se como atenuantes para pena suspensa o "contexto de adultério" por “constituir um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem", com direito a referências à Bíblia, ao Código Penal de 1886, e a um passado que "em que a mulher adúltera” era “alvo de lapidação até à morte". Em 2019 temos a eleição do primeiro deputado do Chega. A peça de Tiago Rodrigues estreia em setembro de 2020, em Guimarães. Em 2022, o Chega elege 12 deputados. Em 2024, elege 50. Na peça, passada num futuro próximo, 2028, dá-se conta que o partido fascista tem 117 deputados na Assembleia da República. O livro é constituído pelo texto da peça que ocupa metade das páginas, sendo as restantes escritas por Gon...

A Idade do Ferro (1990)

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Existe algo na escrita de Coetzee que me atrai e que faz com que me sinta sugado para dentro do mundo descrito nas suas páginas de cada vez que recomeço a sua leitura. Não há nada de muito especial em termos de narrativa ou de personagens, é mesmo o mundo criado e representado, com o Apartheid por detrás, que atrai toda a minha atenção e me faz seguir com enorme curiosidade a cuidada descrição de Coetzee. Neste livro seguimos uma professora universitária reformada que se envolve com um sem abrigo que vem parar à sua rua e com os filhos da sua empregada doméstica. Nesse envolvimento, dá-se conta de uma revolta que acontece nas escolas do país e depois do modo como a polícia lida com o assunto. Passa-se muito pouco à superfície, mas é no trabalho realizado por nós de completar tudo com o conhecimento do regime político da África do Sul que tudo ganha grande envolvência, fazendo com que, enquanto o lia, sentisse ansiedade por voltar continuamente àquele pequeno espaço mental criado pelo l...

Preparar a Próxima Vida

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A primeira constatação a fazer é relativa às competências de observação e descrição de Atticus Lish que parece dotado de memória fotográfica. Não falo daquelas descrições do século XIX, dos edifícios e das flores, mas de algo bem mais complexo, da vida em movimento. Lish não nos dá apenas a ver onde os seus personagens estão, dá-nos a ver o modo como se movem, como se comportam, como falam, assim como pensam. A verossimilidade das descrições é de tal ordem que ao fim de algumas páginas tive de ir à procura da história de vida do autor para confirmar que ele tinha mesmo vivido na China e que se tinha alistado nos US Marines. É daqui que vem toda a força de “Preparação para a Próxima Vida” (2014) que é o primeiro livro do autor, publicado nos seus 42 anos, mas também do foco nos invisíveis das sociedades desenvolvidas, aqueles que fazem o trabalho que ninguém quer e conseguem ser pagos abaixo do salário mínimo porque não têm papéis. Atticus Lish entrega-nos uma personagem principal, Zou...

Sangue nas Máquinas (2023)

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O título “ Blood in the Machine: The Origins of the Rebellion Against Big Tech ” (2023), do livro de Brian Merchant, indica desde logo ao que vem. O foco é um momento curto da história recente, início do século XIX, quando surgiram em Nottingham as primeiras máquinas de automatização da produção têxtil. Apesar de muito do trabalho já usar maquinaria, com a acoplação de sistemas impulsionados a vapor — essência da revolução industrial — estas máquinas conseguiram muito rapidamente dispensar milhares de trabalhadores altamente treinados. A reação à introdução da tecnologia foi violenta, com o pico a acontecer entre 1811 e 1813, conduzindo à destruição de milhares de máquinas por parte dos trabalhadores. Face à perseguição policial e a continuidade da introdução das máquinas por parte dos donos das fábricas, os trabalhadores acabariam por se organizar de forma semi-espontânea, criando movimentos subterrâneos que seriam depois rotulados como Ludditas, baseado no uso que fizeram de uma pers...

Uma Criança e um País no Fim da História

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Lea Ypi escreveu um clássico de leitura compulsiva e altamente recomendado. "Free: A Child and a Country at the End of History" (2022) é um livro de memórias escrito com base na estrutura coming-of-age que nos leva da sua infância à adolescência, enquanto disserta sobre a vida na Albânia nos anos 1980-90, entre os últimos anos do comunismo e os primeiros do liberalismo. Na primeira parte, Ypi regressa à infância, desvelando o modo como o mundo de ideais era criado e mantido ao seu redor pela professora da escola primária e pelas meias-verdades dos pais e avós. Quando em 1990 a ditadura cai, o seu mundo transforma-se, com os seus pais a revelar-lhe que nunca tinham apoiado o partido, nem Enver Hoxha ou Estaline. Ypi descobre do dia para a noite que todas as suas referências tinham sido construídas sobre uma mentira...  O isolamento de décadas conferiu à Albânia um exotismo singular no cenário europeu. Primeiro desligou-se da URSS, depois da China, sempre detestou o Ocidente...

Choviam Pássaros (2011)

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Este livro, "E Choviam Pássaros" (2011) de Jocelyne Saucier, enquadra um mundo-história com aparente pouca novidade, apresentando um pequeno grupo de pessoas, no Canadá, que decide retirar-se da sociedade para viver no interior das florestas do norte, totalmente fora da rede. O que o torna distinto é o facto do grupo ser constituído por pessoas idosas, bastante além da idade de reforma, prontas a passar os derradeiros momentos de forma isolada e em total comunhão com a natureza. A juntar a isto, temos a escrita de Jocelyne Saucier que vai entaramelando aquilo que conta, de modo a criar todo uma fábula menos concreta, menos perfeita, oferecendo-lhe uma certa nebulosidade para criar a necessária distância, mantendo a privacidade daqueles que vamos observando. É um poema, é um hino à natureza humana, ao humanismo. Foi feito um filme, homónimo em 2019 , mas acho que não o consigo ver pois destruiria essa nebulosidade do mundo-história, tornaria tudo demasiado real, eliminando a...