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Papisa e Generala

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Há 20 anos que pretendia ler “A Papisa Joana” muito motivado pela premissa — uma mulher Papa — contudo algo me foi sempre afastando do livro. Chegado ao fim, parece-me que a minha intuição tinha alguma razão de ser. Em vez de ficção histórica, temos romance e aventuras, com todos os problemas que daí advêm, nomeadamente as coincidências de enredo que forçam o suspense e espanto assim como os personagens perfeitamente delineados entre bem e mal, a que se junta a história de amor à lá Romeo e Julieta. Por outro lado, é preciso reconhecer que Donna Woolfolk Cross fez um excelente trabalho de investigação sobre a época em questão, o século IX, não apenas nos modos de viver, ou sobreviver, mas também do funcionamento da Igreja. Tudo junto, acaba por, no meio de alguns enfados, ser uma obra de leitura rápida, e mais importante, capaz de nos transportar para a época. Capa do livro sobre a Papisa e cartaz da série sobre a Generala. Relativamente à componente histórica, parti para o livro com a

Empathetic violence

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I've attempted to start reading ‘The Kindly Ones’ (2006) several times over the years, but without success. This time, I was more determined, driven by Delphine de Vigan's ideas about fiction and truth. I managed to force myself through the first 100 pages, but then I became bored. I struggled through 200 pages, 300 pages, and finally gave up at 350 pages. The initial premise of following the psychological interior of an SS officer during World War II intrigued me. Littell creates a realistic work, but he spends a long time describing seemingly trivial details. We follow the SS officer almost in real time, everything he does, all the people he talks to, his questions, doubts, and discomforts, but most notably, his enormous indifference to everything. While initially this indifference made it easier for me to visualize the Nazi crimes, making the graphic violence more emotionally neutral, gradually this indifference began to taint everything, rendering everything meaningless. Li

Ficcionar Mary Wollstonecraft

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Mary Wollstonecraft escreveu a " A Vindication of the Rights of Woman " em 1792, criando uma das primeiras obras em defesa dos direitos das mulheres, tornando-se pioneira do feminismo e num dos grandes nomes da filosofia britânica. Em 1797, dava à luz Mary Shelley, morrendo 11 dias depois. 20 anos depois, Shelley dava-nos " Frankenstein " (1818) , o primeiro grande livro de ficção-científica, e uma das obras mais emblemáticas da literatura inglesa. Ao contrário do expectável, Wollstonecraft não nasceu num berço de ouro, nem foi estimulada a estudar, antes pelo contrário. “ Love and Fury ” (2021) de Samantha Silva usa os 11 dias após o parto para ficcionar um monólogo de Wollstonecraft dirigido à sua filha, “little bird”, dando conta da sua biografia. Não sendo uma obra notável na revelação de factos, nem na interpretação da vida da filósofa, é uma viagem adorável pelo interior da mente, especulada, de Wollstonecraft, que nos permite descobrir a força e acuidade do c

Verdade ou Ficção

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O livro "D'après une histoire vraie" (2015) de Delphine Vigan trabalha em dois registos, um de agrado popular, outro dedicado aos críticos e estudiosos da literatura. No primeiro, temos a história colada a "Misery" de Stephen King, em que uma leitora aborda a escritora, introduzindo-se na sua intimidade, para conseguir levar a escritora a escrever o que ela pretende. No segundo, temos a angústia literária da relação entre a ficção e realidade de onde emana a questão da pureza da verdade. Os diálogos entre a leitora e a escritora são muitíssimo bem escritos, capazes de desvelar a psicologia de ambas nos mais pequenos detalhes. O suspense e o mistério entretém-nos, enquanto a filosofia da literatura nos vai sendo servida, em pequenas doses, ao longo de todo o livro. Se se sente uma ligeira repetição na discussão entre a ficção e a realidade/verdade, essa serve essencialmente para nos fazer perceber que o assunto tem não só multiplas camadas mas múltiplas ramificaç

Os Anos de Annie Ernaux

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"Os Anos" (2008) é um registo romanceado de Annie Ernaux que nos leva pela mão da sua memória, de 1940 a 2006, a partir de fotografias que vai desfilando para se questionar sobre a afirmação de Chekhov, “ Sim. Seremos esquecidos. É assim a vida, nada a fazer. O que hoje nos parece importante, sério, cheio de consequências, pois bem, um dia vai cair no esquecimento, vai deixar de ter importância. ” (excerto de “Três Irmãs” (1901)). Os vetores do Mundo de Ernaux: França, Província, Família (pais), Paris, Casa, Família (maridos e filhos) Liberação Sexual, Pílula e Sida Hipermercados, Consumo e Evolução Tecnológica Economia e Imigração Televisão, Política, Europa, Revoluções, África, Guerras e Terrorismo Música, Publicidade, Cinema e Literatura Tudo isto é visto a partir dos olhos de quem vai envelhecendo, não apenas a descrição do que existia em cada época, mas do modo como ela interpreta, primeiro como jovem, depois adulta, passando a mãe que vê o mundo pelos olhos dos filhos,

Goncourt 2023, 2º lugar para Eric Reinhardt

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“Sarah, Susanne et l'écrivain” (2023) de Eric Reinhardt é o livro que terminou em ex aequo no Goncourt 2023, tendo ao fim de 14 rondas sido decidido pelo voto do presidente do júri por “Veiller pour Elle” de Jean-Baptiste Andrea . São dois livros muito distintos. “Veiller pour Elle” é um livro centrado na história que quer contar, enquanto “Sarah, Susanne et l'écrivain” se centra na forma do contar da sua história. Deste modo, não devem ser comparados, já que trabalham objetos distintos, pelo que seja natural esta divisão no júri que decorre da função que privilegiam na literatura.  Sarah confia a história da sua vida a um escritor para que ele a transforme num romance. No romance, dentro do romance que lemos, Sarah chama-se Susanne, e nós seguimos a conversa entre Sarah e o escritor, nomeadamente algumas discussões sobre as opções criativas do escritor para ilustrar os factos apresentados por Sarah. A história de fundo dá conta de uma mãe de família que descobre que o marido

Canção do Profeta (2023)

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Este livro de Paul Lynch coloca-nos face à questão determinante que uma mãe (de 4) tem de tomar quando a Irlanda é tomada pela extrema-direita, iniciando um processo de instalação totalitarista e uma guerra contra as forças rebeldes emergentes, abandonar ou não abandonar o seu país, a sua casa, o seu marido acabado de ser preso, em parte incerta, por realização de manifestação sindical. Esta é uma questão fundamental que já me coloquei múltiplas vezes, a propósito dos judeus na Alemanha a partir de 1933 , mas também em muito  outros  cenários dos últimos 100   anos , onde rebentaram guerras ideológicas que conduziram à destruição de milhões de vidas. Quando lemos os relatos desses cenários, passados anos, dezenas de anos, é tão fácil questionar — “porque não fugiram?” Por outro lado, esta nossa questão não deixa de conter uma profunda hipocrisia, pelo modo como os nossos próprios países se foram comportando, na relação para com os refugiados provenientes desses cenários . E é exatam

Refugiados numa teia kafkiana

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“Eu Vou, Tu Vais, Ele Vai” (2015) de Jenny Erpenbeck trata dos refugiados na Europa provenientes do continente africano, um tema mediático, mas nem por isso menos terrível por tudo o que encerra. O livro foca-se sobre a burocracia kafkiana criada pela Europa para evitar que os migrantes criem esperanças de facilitismo no processo de entrada. Ainda assim, são apresentados alguns relatos, bastante reais e crus dos países de origem e fuga, assim como da travessia do Mediterrâneo.  A escrita é boa, ainda que tenha sentido algum emaranhar nas descrições que não sei se é fruto da tradução a partir do alemão, apesar disso, a atmosfera eleva-se e envolve-nos.   Erpenbeck destaca-se pelas imagens que cria, nomeadamente o caso de abertura do livro, do lago por detrás da casa do professor universitário reformado em que morreu uma pessoa, e que agora o impede de aí tomar banho por não se conseguir desligar da presença do corpo... A autora não se limita a mostrar o lado negro das vivências dos refu

"O Regresso" (2016)

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"O Regresso" (2016) de Hisham Matar é um livro autobiográfico com um fundo histórico internacional, pelo que nunca seria uma perda de tempo por tudo o que aqui podemos aprender, mais ainda quando essa história é distante da nossa, ou pouca reconhecida internacionalmente como é o caso da história da criação da Líbia moderna, no século XX, com a invasão e genocídio levado a cabo por Itália que levaria depois ao poder um dos mais inumanos ditadores desse século, Khadafi. A estrutura e a escrita são atrozmente atabalhoadas durante os primeiros 2/3. Não se constrói qualquer linha narrativa, apesar de se referir a ela desde o título, tudo vai sendo construído através de pequenas historietas sobre dezenas de personagens — tios, tias, primos e conhecidos — que contribuem para criar a ideia de família, conceito que nunca sai da abstração pela total falta de ligação entre as historietas dessas pessoas. As historietas raramente descolam dos aspetos descritivos, mesmo quando o autor cede

Uma carta postal enviada do passado

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“La Carte Postale” (2021) é um livro particularmente emocionante pelo modo como romanceia parte da História que serve de cenário a uma saga familiar que atravessa de Moscovo a Paris, passando pela Letónia, Polónia, Israel, terminando na interseção entre Alemanha e França, em plena Segunda Grande Guerra. O livro baseia-se na família da autora, Anne Berest, e inicia-se no momento em que a família recebe um postal na caixa de correio (ver a capa do livro), já em 2003, no qual vêm inscritos os nomes dos bisavós e tios de Anne — Ephraim, Emma, Noemie, Jacques —, todos desaparecidos em 1942, num campo de concentração na Polónia. O livro leva-nos atrás da investigação de Anne para descobrir quem terá enviado o dito postal e com que intenções. Pelo meio vamos descobrir a história daquelas 4 pessoas, do muito que atravessaram antes e durante a guerra, mas em essência vamos descobrir uma grande parte da História por detrás do colaboracionismo francês no tempo da ocupação francesa pelos Nazi. O t

Dostoiévski: uma vida íntima

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O título afastou-me, “Dostoevsky in Love” (2021), mas algumas críticas ao livro levaram-me a perceber que havia aqui algo mais. Alex Christofi não entrega um livro sobre os romances do escritor, apesar de falar deles, o foco é antes aquilo que aparece em subtítulo, “ An Intimate Life ”, que vai dos amores às obsessões, doenças, humilhações, torturas, e claro, a fé. Mas o que torna esta obra verdadeiramente incontornável é o seu processo de criação. Christofi começa por falar na ausência de uma autobiografia que Dostoiévski quis escrever mas acabou por não o fazer, pelo que Christofi procura exatamente chegar aqui àquilo que poderia ter sido essa autobiografia, ou como lhe chama o autor, "memórias reconstruídas". Para o efeito, faz algo, academicamente nada aconselhável, como ele própria afirma, mas que acaba resultando num trabalho imensamente poderoso. “Dostoevsky in Love” apresenta-se como um pedaço de tecido da vida de Dostoiévski, costurado de forma uniforme e homogéna a

Eugénia Grandet

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“Eugénie Grandet” (1833) é a par com “Le Père Goriot” (1835) e “Illusions Perdues” (1843) , uma das obras mais referenciadas da imensa produção de Balzac que forma um todo identificado como “La Comédie Humaine” com 91 livros. “Eugénie Grandet” forma um claro par com “Le Père Goriot” pelo tema que envolve o reconhecimento social baseado no dinheiro e como isso afeta ou cria disfunções no seio familiar. Não posso dizer que o tema me tinha dito muito, apesar de reconhecer a excelência do trabalho de Balzac no desenho dos comportamentos de cada personagem: o pai avarento e inflexível, a filha submissa e votada à infelicidade, e o sobrinho da alta parisiense a quem apenas interessa garantir o seu nível de boa vida. Como nos seus restantes livros, temos muita descrição na contextualização introdutória, mas realizada, arranca por uma senda de conflitos e pequenos acontecimentos que tornam a leitura imparável. No final, não fica nenhuma grande lição para os dias de hoje. O livro é um produto

O Paraíso das Damas (1883)

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“O Paraíso das Damas” é o décimo-primeiro romance da série Rougon-Macquart de Émile Zola , e um dos cinco mais reverenciados. A razão da reverência tem que ver com o trabalho de registo quase fotográfico de uma época, muito por força da abordagem naturalista porque é reconhecido Zola. É fim de século, 1880, já se fala aqui no século XX que há-de chegar, mas o relato dá conta de coisas que passados 140 anos continuam a perturbar as sociedades. Quem não se lembra da abertura dos Hipermercados no centro da Europa nos anos 1970, ou nos anos 1980 em Portugal? Quem não se lembra da chegada da Fnac nos anos 1990? E da chegada da IKEA nos anos 2000? E o que dizer atualmente da Amazon? O Paraíso das Damas é um grande armazém de tecidos e roupas, uma catedral de consumo, uma das primeiras, que viria a ser seguida em todas as outras áreas, das mercearias às ferramentas, das mobílias aos brinquedos, dos eletrodomésticos aos livros. O consumo tornou-se nos últimos 100 anos na principal atividade da

A Idade do Ferro (1990)

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Existe algo na escrita de Coetzee que me atrai e que faz com que me sinta sugado para dentro do mundo descrito nas suas páginas de cada vez que recomeço a sua leitura. Não há nada de muito especial em termos de narrativa ou de personagens, é mesmo o mundo criado e representado, com o Apartheid por detrás, que atrai toda a minha atenção e me faz seguir com enorme curiosidade a cuidada descrição de Coetzee. Neste livro seguimos uma professora universitária reformada que se envolve com um sem abrigo que vem parar à sua rua e com os filhos da sua empregada doméstica. Nesse envolvimento, dá-se conta de uma revolta que acontece nas escolas do país e depois do modo como a polícia lida com o assunto. Passa-se muito pouco à superfície, mas é no trabalho realizado por nós de completar tudo com o conhecimento do regime político da África do Sul que tudo ganha grande envolvência, fazendo com que, enquanto o lia, sentisse ansiedade por voltar continuamente àquele pequeno espaço mental criado pelo l

Preparar a Próxima Vida

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A primeira constatação a fazer é relativa às competências de observação e descrição de Atticus Lish que parece dotado de memória fotográfica. Não falo daquelas descrições do século XIX, dos edifícios e das flores, mas de algo bem mais complexo, da vida em movimento. Lish não nos dá apenas a ver onde os seus personagens estão, dá-nos a ver o modo como se movem, como se comportam, como falam, assim como pensam. A verossimilidade das descrições é de tal ordem que ao fim de algumas páginas tive de ir à procura da história de vida do autor para confirmar que ele tinha mesmo vivido na China e que se tinha alistado nos US Marines. É daqui que vem toda a força de “Preparação para a Próxima Vida” (2014) que é o primeiro livro do autor, publicado nos seus 42 anos, mas também do foco nos invisíveis das sociedades desenvolvidas, aqueles que fazem o trabalho que ninguém quer e conseguem ser pagos abaixo do salário mínimo porque não têm papéis. Atticus Lish entrega-nos uma personagem principal, Zou

Laços de Domenico Starnone

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Antes de avançar para a discussão da obra, quero enquadrar o contexto da sua relação com Elena Ferrante sobre quem existem muitas teorias a propósito da sua identidade. Uma dessas teorias refere Domenico Starnone como a pessoa por detrás do pseudónimo. Tendo agora lido ambos, não creio. Os mundos são muito próximos, mas o ponto de vista é muito distante, temos aqui claramente uma visão de um homem, enquanto em Ferrante temos a de uma mulher. A escrita em ambos é excecional, ainda assim Ferrante pontua acima pelo modo como consegue representar em texto o experienciar. Ajuda à confusão Starnone ser casado com Anita Raja, a tradutora que muitos também acreditam ser Elena Ferrante. Mas se tudo isto não passa de fait-divers, o que mais me interessa nesta proximidade é sem dúvida o modo como “Laços” (2014) pode ser visto como a continuação de “ Os Dias de Abandono ” (2002), aquele que é o meu livro preferido de Ferrante.  Capa da edição italiana que prefiro à da edição portuguesa que li da A

Um Quarto Só Meu

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Este livro de Woolf é fruto de uma palestra dada em 1928 na Universidade de Cambridge, nos colégios femininos da instituição, que a obrigou a refletir sobre a condição da mulher. Começando por atacar a discriminação da própria instituição na relação entre professores homens e professores mulheres, Woolf faz depois um périplo pela história da arte da escrita dando conta da diferença nos níveis de produção entre homens e mulheres. Se este livro foi um grito de alerta no seu tempo, e boa parte do que aqui se relata foi entretanto revertido, na verdade, Woolf toca numa questão ainda mais profunda: quem é que pode realmente produzir arte? Porque como diz Woolf, a mulher não precisa apenas de um quarto só seu, precisa também de dinheiro para se manter e poder dedicar-se à sua arte (Woolf recebeu uma herança de uma tia que lhe permitiu dedicar-se exclusivamente à escrita). Ora, o que temos no cânone da literatura não é feito apenas de um recorte de homens. É feito de um recorte de homens com

Choviam Pássaros (2011)

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Este livro, "E Choviam Pássaros" (2011) de Jocelyne Saucier, enquadra um mundo-história com aparente pouca novidade, apresentando um pequeno grupo de pessoas, no Canadá, que decide retirar-se da sociedade para viver no interior das florestas do norte, totalmente fora da rede. O que o torna distinto é o facto do grupo ser constituído por pessoas idosas, bastante além da idade de reforma, prontas a passar os derradeiros momentos de forma isolada e em total comunhão com a natureza. A juntar a isto, temos a escrita de Jocelyne Saucier que vai entaramelando aquilo que conta, de modo a criar todo uma fábula menos concreta, menos perfeita, oferecendo-lhe uma certa nebulosidade para criar a necessária distância, mantendo a privacidade daqueles que vamos observando. É um poema, é um hino à natureza humana, ao humanismo. Foi feito um filme, homónimo em 2019 , mas acho que não o consigo ver pois destruiria essa nebulosidade do mundo-história, tornaria tudo demasiado real, eliminando a

o fim do fim de um país

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"Como se eu não existisse" (1999), de Slavenka Drakulić, dá conta da história de S. que é levada juntamente com centenas de outras mulheres para um campo de concentração na Bósnia, em 1992. A descrição do todo é intensa, desmontando em palavras sentires indescritíveis. Obriga-nos a pensar sobre como foi possível, no final do século XX, apenas 50 anos após o Holocausto, repetirmos quase tudo outra vez. Obriga-nos a tentar perceber como é que o fim do Comunismo na Jugoslávia, em 1989, levou à total carnificina. Um país retalhado pela força das diferenças religiosas capazes de sustentar a necessidade de genocídio. O enfoque do relato é na visão feminina da guerra, negra, horripilante, ainda assim, senti muitas vezes um sentimento estranho, pois não conseguia deixar de pensar que aquilo que estava a ler, passado em 1992, continua a existir ainda por todo o globo. Milhares de mulheres continuam a ser traficadas não apenas em zonas de guerra, mas também em zonas de pobreza, de mig

“A Voz das Mulheres”, livro e filme

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“A Voz das Mulheres” (2018) foi escrito por Miriam Toews (1964), escritora canadiana, descendente das comunidades ucranianas emigradas para Manitoba, Canada. Toews foi menonita até aos 18 anos , o que a torna particularmente habilitada para falar de um dos mais hediondos crimes ocorridos numa comunidade religiosa em pleno século XXI. Entre 2005 e 2009 , 151 mulheres , entre os 3 e os 65 anos , da colónia de menonitas de Manitoba na Bolívia, foram violadas, várias mais do que uma vez, por um grupo de 8 a 9 homens, que usaram um produto anestésico para vacas para deixar as mulheres inconscientes. Em 2022, Sarah Polley (1979), realizadora canadiana, escreveu e realizou o filme homónimo pelo qual recebeu o Óscar de Melhor Argumento Adaptado. Se o livro é bom, o filme parece ser melhor, contudo, após breve reflexão percebi que ambos isolados são bons, elevando-se apenas a excecionais quando experienciados em conjunto. Ou seja, o livro e o filme funcionam como duas peças estéticas complement