Adolescence (2025): O realismo da incompreensão
Em tempos de saturação audiovisual, quando tudo parece já ter sido tentado e filmado, surge uma série capaz de nos desarmar por completo. "Adolescence" (2025), cocriada por Stephen Graham e Jack Thorne, impõe-se como uma experiência tão avassaladora quanto singular, não apenas pelo que mostra, mas sobretudo pelo que recusa mostrar. A série apresenta-se em quatro episódios, cada um filmado num único plano-sequência contínuo, conjugado com grandes planos (close-ups) sufocantes, criando uma imersão emocional de intensidade quase insuportável.
A técnica formal não é mero exercício de estilo. O uso do plano-sequência sem cortes, aliado à proximidade extrema dos rostos das personagens, elimina qualquer possibilidade de distanciamento. Somos arrastados para dentro do espaço emocional dos protagonistas sem respiro, sem possibilidade de fuga. A câmara não nos oferece alívio; ao contrário, mantém-nos reféns, obrigando-nos a confrontar cada expressão, cada silêncio, cada hesitação. Lembrei-me inevitavelmente do intimismo de Marriage Story (2019) (resenha), mas aqui levado ao limite pela persistência da câmara — como um martelo que insiste em bater, imagem após imagem, comportamento após comportamento.
Formalmente inovadora, a série recupera também a tradição do realismo britânico, herdeira de Mike Leigh e Ken Loach, com a sua crueza social e emocional. Contudo, enquanto Leigh e Loach oferecem ainda margens de contemplação e estruturação narrativa, "Adolescence" rasga essas margens ao recusar qualquer tipo de explicação. O seu tema central, um jovem adolescente acusado de um crime brutal, é tratado sem condescendência nem psicologização fácil.
O primeiro episódio apanha-nos de surpresa e deixa-nos sem chão. A pressão formal aliada ao tema torna-se quase física, um desconforto crescente que culmina numa espécie de sufoco. Confesso que o segundo episódio, passado na escola, perdeu um pouco dessa tensão milimétrica — talvez pela dispersão dos movimentos e da multiplicidade de personagens, diluindo o fio tenso que até então parecia inquebrável. No entanto, o terceiro episódio recupera toda a brutalidade emocional, especialmente na longa conversa entre Jamie e a psicóloga, onde a câmara e as atuações nos devolvem ao desconforto insuportável. O quarto episódio oferece um fechamento subtil, misturando tensão com momentos de alívio, sem nunca trair a proposta inicial.
Mas o que verdadeiramente distingue "Adolescence" não é apenas a sua forma, por mais ousada que seja. O impacto reside na recusa deliberada de explicação. A série não oferece respostas. Não procura justificar o ato que está no centro da tragédia. Não há diagnósticos nem moralizações. E é precisamente aí que reside a sua força. Vivemos numa sociedade obcecada por enquadrar, categorizar, explicar. Tudo precisa de um porquê, de uma causa, de um desfecho que nos permita fechar a narrativa com segurança.
"Adolescence" recusa esse conforto. Mas não recusa por um gesto niilista ou de desespero. Antes pelo contrário: a série entende que há tragédias que simplesmente não podem ser explicadas, porque vão contra todos os valores que professamos. Aceitar essa opacidade não é desistir, é um gesto ético. É reconhecer que há realidades que permanecem inacessíveis à nossa ânsia de significação.
No fim, não saímos esclarecidos. Saímos feridos. E, paradoxalmente, mais humanos. Porque aceitamos que, perante certas dores e rupturas, o mais honesto que podemos fazer é estar presentes, testemunhar, e aceitar que não há palavras, teorias ou narrativas que consigam abarcar tudo.
"Adolescence" ficará comigo por muito tempo, não por aquilo que explica, mas por aquilo que ousa deixar sem explicação.
Nota: ★★★★★
...
Nota: Este texto foi desenvolvido a partir de uma interação com um modelo de linguagem avançado (IA), usado aqui como interlocutor crítico e ferramenta de estruturação.
Adorei a série também!
ResponderEliminarÉ fabulosa. Entretanto descobri um behind-the-scenes em que mostram como passaram, numa cena, de câmara ao ombro para drone :D
EliminarVou pesquisar! Obrigada pela dica 😊
Eliminarhttps://bsky.app/profile/nzagalo.bsky.social/post/3lknmjgfdxc2c
Eliminar