Vidas Seguintes (2022)

Abdulrazak Gurnah recebeu o Nobel em 2021, tendo este "Vidas Seguintes" saído no ano seguinte. Foi o único que li até agora do autor. Mas pelo que li sobre o mesmo, vem na linha dos seus livros anteriores. A escrita de Gurnah é, sem dúvida, um dos pontos altos. A prosa, é caracterizada por um lirismo discreto e preciso, capaz de nos hipnotizar. Impressiona o modo como evitando a ação, nos consegue prender pela mera descrição do que acontece. Nomeadamente, os personagens munidos de uma calma imensa, quase ausentes de emocionalidade, levam-nos pela mão, convencendo-nos a aceitar o trauma como uma inevitabilidade. Isto é tanto mais relevante por se focar nas questões da colonização de África pela Europa, que alegadamente aconteceu sem oposição. Como se Gurnah precisasse dessa encenação para dar conta da profundidade do choque produzido pela colonização.

A narrativa é deliberadamente arrastada, fornecendo detalhes históricos e culturais, despidos da esperada emocionalidade trágica, em linha com “Quando Tudo se Desmorona” de Chinua Achebe. Gurnah opta pela neutralidade emocional, confiando tudo à racionalidade dos personagens e contextos para gerar impacto. Aproxima-se assim da visão da colonização a partir da Europa, que sabendo do que aconteceu, continua a sentir todo o processo não apenas como distante, mas como totalmente inócuo.

No meio dessa aparente inocência, as personagens de Ilyas, Afiya e Hamza surgem carregadas de complexidades e contradições. A construção e reconstrução das suas vidas ao longo dos impactos coloniais, nomeadamente a guerra, demonstram o modo Gurnah nos obriga empatizar com um contexto histórico que se vai tornando cada vez mais próximo, mais nosso, convertendo-nos. No final do livro, as histórias de cada um ficam connosco.

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