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Entre Sísifo e os ex-amantes

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Ana Moreau canta Les Exs  (2023) como quem se expõe num recado deixado ao acaso, a voz trémula, as palavras presas a uma dor que insiste em não desaparecer. Não há drama grandioso, apenas a persistência íntima de um coração que não aceita morrer. A narrativa que se constrói é feita de fragmentos quotidianos, lençóis trocados, parceiros novos, números marcados por reflexo, e de uma verdade subterrânea: por mais que a vida avance, o amor não se apaga, instala-se num canto escondido e continua a vibrar. O refrão repete como uma ética simples: “faut juste continuer d’aimer, différemment.” Não é o fim, é transformação.

Achilles, ou a elegância da morte anunciada

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Nunca escrevi sobre canções neste espaço. Sempre associei o formato à fruição íntima e passageira, algo que se sente mas raramente se detém para ser desmontado. Mas de vez em quando surge uma exceção, uma canção que se impõe como texto, como narrativa plena, onde o tempo se dobra e os versos nos falam como personagens. Achilles (2025) , dos Divine Comedy , é uma dessas raras canções. Escrita e cantada por Neil Hannon, Achilles começa como uma elegia antiga. Um guerreiro contempla a morte de um amigo e promete vingança. Estamos em plena Ilíada , entre barcos queimados e deuses distraídos. Aquiles, Pátroclo, a cólera transformada em destino. A canção invoca esse universo mítico com sobriedade, sem grandiloquência, apenas sugerindo o peso trágico com versos contidos: “You slew my sweetest friend / His death will be avenged” . A música não se exalta — a orquestração embala. Como se dissesse: conhecemos este lamento há milhares de anos. O que surpreende é o salto seguinte. A segunda estro...