Pode o Sentir ser Formalizado

Philippe Schlenker apresenta, no seu livro, "What It All Means" (2022), uma proposta ambiciosa: construir uma semântica formal aplicável não apenas à linguagem natural, mas também a gestos, música e outras formas expressivas. No centro dessa proposta está a ideia de composicionalidade: o significado de um enunciado é inteiramente derivado do significado das suas partes e das regras que as combinam. Trata-se de uma herança direta da lógica de Montague, agora estendida a (quase) tudo, que me levou quase dois anos a ler.

Philippe Schlenker é uma figura central no campo da semântica formal contemporânea. Investigador no Institut Jean-Nicod (CNRS) e professor afiliado na New York University, tem vindo a expandir os limites da semântica tradicional, aplicando-a a domínios antes considerados periféricos, como a linguagem gestual, a música e até a comunicação animal. O seu trabalho destaca-se pela combinação rara de rigor lógico e abertura interdisciplinar, tentando construir pontes entre a linguística, a filosofia da linguagem e as ciências cognitivas. Este seu livro "What It All Means" inscreve-se nessa linha, com Schlenker a procurar uma linguagem acessível enquanto mantém todo o rigor académico.

Esta tentativa de chegar ao significado de (Quase) Tudo revela, desde logo, uma fractura profunda. Do ponto de vista fenomenológico, o significado não é um produto dedutivo, mas um acontecimento emergente, situado na relação, temporalidade e corporalidade. Este não se deixa facilmente decompor em unidades lógicas sem que algo essencial se perca, seja o ritmo, a intuição, ou o gesto implícito.

Em contextos interativos, como a comunicação humano-IA, isso torna-se ainda mais evidente. A linguagem é performativa e contextualmente ambígua. A sua força reside, muitas vezes, naquilo que não é dito, no que se negocia tacitamente. Reduzir tal dinâmica a um puzzle lógico é comprometer a própria inteligência da linguagem enquanto experiência.

Schlenker procura claramente ir além dos limites tradicionais da linguística formal querendo propor uma semântica aplicável a gestos e música. E faz isso impondo aos novos domínios o mesmo modelo estrutural de operadores e regras. A riqueza do gesto humano ou da expressividade musical é reconfigurada como mera linguagem formal.

Mas para serem assimiladas, essas formas de expressão teriam de ser domesticadas. E o que não é codificável seria considerado exceção, ou marginal. O gesto espontâneo, a pausa dramática, a nota que ecoa pelo seu timbre e não pela sua função harmónica — tudo isso se perde na tradução. A tentativa de universalização, em vez de iluminar, reduziria.

No fundo, aquilo que tem mais valor humano — o erro, o improviso, o indizível — é cortado, posto fora a espontaneidade, o orgânico, e mais importante a criatividade na emergência do sentir. Resta perguntar: o que ganhamos concretamente com esta lógica totalizante?

Neste sentido, a leitura de Schlenker é valiosa não pelo que cumpre, mas pelo que denuncia: os limites da lógica, e a necessidade da escuta do que não se deixa reduzir. O sentido, afinal, talvez não se componha. Talvez, simplesmente, se ofereça.


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Nota: Este texto foi desenvolvido a partir de uma interação com um modelo de linguagem avançado (IA), usado aqui como interlocutor crítico e ferramenta de estruturação.

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