SEE (1.ª temporada)

É quase impossível não nos sentirmos seduzidos pelo mundo de SEE (2019). A série envolve-nos num universo visualmente marcante, onde a ausência de visão molda o quotidiano, a linguagem e a guerra. E, no entanto, à medida que os episódios avançam, é essa mesma sedução que começa a ruir sob o peso de um guião preguiçoso, incoerente e preso a convenções ultrapassadas.



A primeira grande fissura surge numa das cenas mais faladas da temporada: a masturbação da Rainha Sibeth enquanto reza. Se, num primeiro olhar, o gesto poderia ser lido como uma fusão transcendental entre espiritualidade e prazer — quase uma performance de autonomia corporal e mística —, rapidamente percebemos que a série não quer, afinal, explorar essa complexidade. A repetição do ritual, agora forçando uma escrava a um ato sexual, revela o subtexto: estamos perante a velha figura da vilã hipersexualizada, onde o corpo feminino serve para marcar perversidade e desvio. Uma leitura que poderia ter sido libertadora torna-se apenas mais um cliché.

Mas não é apenas na construção simbólica que a série tropeça. O universo distópico sofre com uma gestão de mundo desconcertante. Quando os protagonistas encontram livros pela primeira vez, a cena deveria ser carregada de maravilhamento — mas não é. A série trata o acesso ao conhecimento escrito como algo banal, sem se deter na enorme improbabilidade de alguém, num mundo cego há séculos, saber ler uma língua morta e sem descodificadores. Pior: os cordéis, sistema de comunicação desenvolvido no novo mundo, são deixados num plano quase decorativo, como se o saber estivesse sempre nos vestígios do passado e não na invenção do presente.

A série recorre ainda à surpresa como motor narrativo, mas fá-lo sem rigor. O caso da princesa Maghra, que nunca revela ser irmã da rainha até ser conveniente ao guião, é apenas um dos muitos exemplos em que se abdica da verosimilhança para garantir um momento "explosivo". E a consequência disso é que deixamos de confiar na lógica interna da narrativa. A série desiste de construir sentido e entrega-se à teatralidade.

Mesmo os antagonistas, como Jerlamarel, prometem mais do que entregam. Introduzido como figura visionária, líder de uma "casa do conhecimento", acaba por ser reduzido a um homem arrogante, irresponsável e caricatural. O seu arco é tão desinspirado quanto a revelação final de um irmão de Baba Voss ainda mais violento — uma solução preguiçosa para manter a tensão em futuras temporadas.

Apesar de tudo, SEE tem momentos de verdadeiro encanto. A cinematografia é notável, os atores estão investidos, e há uma atmosfera que nos prende, que nos faz querer voltar ao seu mundo no final do dia. Mas esse desejo é traído por um texto que parece não acreditar no próprio mundo que criou. Falta visão, falta densidade, falta coragem para ir além do básico.

No fim, SEE deixa-nos com a sensação amarga de uma obra que podia ter sido extraordinária — e escolheu ser apenas visualmente apelativa. O que era uma promessa de diferença revelou-se uma narrativa de atalhos.

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