Quando a Justiça está no Silêncio

Várias críticas recentes à série "Secrets We Keep" (2025), da Netflix, apontam a forma como a narrativa falha em fazer justiça a Ruby, a jovem au pair filipina que desaparece sem que ninguém — nem os empregadores, nem a polícia, nem o Estado — realmente lute por ela. Um comentário em particular, vindo de um espectador filipino, afirma que o sofrimento de Ruby é usado como “ruído de fundo” para proteger o conforto dos brancos. É um olhar que compreendo, mas com o qual profundamente discordo.


 A série não ignora Ruby — a Dinamarca é que o faz. E a série, ao mostrar isso sem filtros, sem consolo narrativo, está precisamente a denunciar esse apagamento. O que nos inquieta em Secrets We Keep não é o que a série esconde, mas sim aquilo que expõe de forma brutal: uma sociedade que não reconhece humanidade plena às suas cuidadoras, nem mesmo quando elas desaparecem, nem mesmo quando são vítimas de crimes hediondos.

Se Katarina e o seu marido fossem punidos, estaríamos a ver uma ficção moralista onde o sistema funciona. Mas o que a série faz — e faz bem — é encenar o colapso desse sistema. A impunidade não é uma falha da série. É o tema da série. A elite dinamarquesa protege os seus, encobre abusos, desvia o olhar, e o programa oficial de “intercâmbio cultural” que trouxe Ruby ao país revela-se, afinal, uma maquinaria de exploração global.

A força da série está em não oferecer redenção. Não há punição, nem justiça, nem memória. Há apenas silêncio — e uma ausência que paira sobre tudo. A dor é real, e o desconforto que sentimos é sinal de que a série não se limita a entreter: ela acusa. Com subtileza, mas com contundência.


Secrets We Keep não é sobre o que esquecemos. É sobre aquilo que preferíamos nunca ter visto. E o que ela nos força a ver — o abandono, o racismo, o privilégio — é o que tantas narrativas tendem a suavizar. Aqui, não há suavização. Há denúncia.

Ruby não foi esquecida pela série. Foi esquecida pelo mundo. E é esse o verdadeiro horror.

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