Uma breve História da Inteligência
"A Brief History of Intelligence: Evolution, AI, and the Five Breakthroughs That Made Our Brains" (2023) de Max Bennett é uma obra que nos transporta numa viagem fascinante pela evolução da inteligência humana, explorando como os avanços biológicos moldaram a nossa capacidade cognitiva e como essa visão tem vindo a informar o desenvolvimento da inteligência artificial (IA). Bennett identifica cinco transformações cruciais na evolução do cérebro biológico que suportariam os avanços na inteligência humana, cada um construído sobre o anterior para culminar na forma de inteligência que caracteriza hoje os seres humanos.
O primeiro avanço, a Direção (steering), refere-se à capacidade de se mover intencionalmente em resposta a estímulos. Este é o ponto de partida para qualquer forma de vida interagir com o ambiente de forma eficaz, permitindo aos organismos satisfazer necessidades básicas como encontrar alimento ou evitar predadores. A direção é fundamental para a sobrevivência, pois permite que os organismos naveguem no ambiente e respondam a mudanças, maximizando benefícios e minimizando riscos.
O segundo avanço, o Reforço (reinforcing), envolve a aprendizagem por reforço, onde os organismos ajustam o seu comportamento com base nas consequências das suas ações. Este mecanismo é essencial para a adaptação e sobrevivência, pois permite que os indivíduos aprendam a evitar situações perigosas e a procurar situações benéficas. O reforço é a base para a aprendizagem e a adaptação, permitindo que os organismos se ajustem ao ambiente de forma mais eficaz.
O terceiro avanço, a Simulação (simulating), é a habilidade de criar modelos mentais do mundo e prever cenários futuros. Esta capacidade é fundamental para a tomada de decisões e planeamento, permitindo que os indivíduos antecipem eventos e agir de forma proativa. A simulação mental permite que os humanos considerem diferentes cenários e escolham a melhor ação com base em previsões, o que é essencial para a sobrevivência e sucesso em ambientes complexos e em constante mudança.
O quarto avanço, a Mentalização (mentalizing), refere-se à capacidade de atribuir estados mentais a si mesmo e aos outros. Esta habilidade é crucial para a empatia e a cooperação social, pois permite que os indivíduos compreendam as intenções e emoções alheias. A mentalização fomenta a cooperação e a comunicação, permitindo que os humanos trabalhem em conjunto e formem relações sociais complexas.
O quinto avanço, a Fala (speaking), é o desenvolvimento da linguagem, que permitiu aos humanos comunicar ideias complexas, acumular conhecimento e transmiti-lo através das gerações. A linguagem é uma interface para o nosso mundo mental interno e é fundamental para a cooperação e inovação. Bennett argumenta que a linguagem é a base da nossa capacidade de pensar de forma abstrata e consciente, permitindo a transmissão de cultura e conhecimento.
Resolvi fazer uma tabela dos 5 avanços para ser mais fácil visualizar, recordar e usar noutros trabalhos.
Bennett argumenta que, para a IA alcançar uma inteligência semelhante à humana, deve replicar estes avanços evolutivos. Pelo que a IA atual não tem ainda como capturar a essência da inteligência humana, apesar dos seus sucessos em tarefas específicas. Bennett sugere que a IA precisa de desenvolver capacidades como a simulação mental e a mentalização para se aproximar verdadeiramente da inteligência humana. No entanto, Bennett reconhece que a questão da consciência na IA é complexa e que atualmente não há uma compreensão científica clara de como a consciência emerge da matéria. Ele parece cético em relação à ideia de que a IA possa se tornar consciente apenas replicando aspectos da inteligência humana, como a linguagem.
"But without incorporating an inner model of the external world or a model of other minds—without the breakthroughs of simulating and mentalizing—these LLMs will fail to capture something essential about human intelligence. And the more rapid the adoption of LLMs—the more decisions we offload to them—the more important these subtle differences will become. In the human brain, language is the window to our inner simulation. Language is the interface to our mental world. And language is built on the foundation of our ability to model and reason about the minds of others—to infer what they mean and figure out exactly which words will produce the desired simulation in their mind."
Ao discutir o futuro da IA, Bennett especula sobre o próximo grande avanço, que poderá envolver a desvinculação da inteligência da biologia. Isso poderia levar a formas de IA que não imitam diretamente a inteligência humana, mas exploram caminhos alternativos baseados na tecnologia.
Do meu lado, e apesar das cautelas de Bennett, que vejo partindo da autopoiesis de Humberto Maturana, conseguindo dar conta da mente corpórea de Francisco J. Varela, Evan Thompson e Eleanor Rosch assim como do movimento proposto por Barbara Tversky, parece-me ainda assim estar descartar o corpo da equação da inteligência, uma visão que contrasta com autores como António Damásio, que defendem que não conseguimos pensar sem o corpo. Damásio argumenta que a cognição não está confinada ao cérebro, mas é profundamente influenciada pelo corpo e pela interação com o ambiente. Damásio, em particular, tem explorado como as emoções, que são experiências corporais, são essenciais para a tomada de decisões e para a consciência. Esta perspetiva sugere que a IA, para alcançar uma inteligência verdadeiramente humana, pode precisar de incorporar aspectos somáticos e emocionais que estão atualmente ausentes nos modelos de IA.
"A Brief History of Intelligence" é uma leitura obrigatória para quem se interessa pela evolução da inteligência e pelo futuro da IA. Bennett oferece uma perspetiva integrada e abrangente, combinando insights de neurociência, biologia evolutiva, psicologia e ciências da computação. O livro é comparável a obras seminais como "Guns, Germs, and Steel" de Jared Diamond, "Sapiens" de Yuval Noah Harari, "Cosmos" de Carl Sagan ou a "A Theory of Everyone" de Michael Muthukrishna, oferecendo uma visão transformadora sobre a evolução da inteligência e o seu impacto no desenvolvimento da IA. Bennett consegue tornar acessível um tema complexo, proporcionando uma leitura envolvente e informativa que desafia e expande a nossa compreensão da inteligência humana e artificial.
Entretanto acabei encontrando um artigo científico de 2021 de Max Bennett com uma imagem síntese das 5 que deixo aqui - "Five Breakthroughs: A First Approximation of Brain Evolution From Early Bilaterians to Humans", Frontiers in Neuroanatomy.
Outras leituras:
Embodied Mind de Francisco J. Varela, Evan Thompson e Eleanor Rosch
Mind in Motion, de Barbara Tversky
A Ordem do Tempo de Carlo Rovelli
How Language Began de Daniel L. Everett
Thinking, Fast and Slow de Daniel Kahneman
Guns, Germs, and Steel de Jared Diamond
Sapiens, de Yuval Noah Harari
A Theory of Everyone, de Michael Muthukrishna
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