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A mostrar mensagens de setembro, 2025

Continuer (2016)

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"Continuer"  de Laurent Mauvignier, é um romance que se abre como uma ferida.  A viagem de uma mãe com o filho adolescente, a cavalo pelo Quirguistão, é menos um gesto de fuga e mais um mergulho forçado num território interior onde cada gesto reverbera com uma intensidade que Mauvignier domina como poucos. A força do livro está logo no início, onde a emoção se cola à pele, quase como se a própria paisagem fosse moldada pelas tensões entre os dois. No entanto, o romance estende-se demasiado no meio, com detalhes e descrições que, apesar de belos, vão diluindo a tensão que a abertura prometia. Mauvignier escreve com aquela precisão lírica que o aproxima de Proust — uma atenção microscópica ao detalhe emocional, aos pequenos tremores do corpo e do pensamento — mas o seu gesto é mais visceral do que filosófico. A emoção aqui não é conceito: é matéria sensorial.  Há uma cena que condensa esta força: o filho, Samuel, entra no carro e escolhe sentar-se no banco de trás, não ao ...

“September 5” (2024)

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Há filmes que não se limitam a contar uma história, mas que nos devolvem ao corpo de uma época. September 5 , de Tim Fehlbaum, é um desses raros momentos: um mergulho vertiginoso na sala de controlo da ABC durante o atentado aos Jogos Olímpicos de Munique em 1972. A primeira impressão é a tensão brutal criada através do minimalismo. Não há efeitos de espetáculo nem multiplicação de cenários; tudo se passa na clausura técnica do estúdio, entre botões, cabos, auriculares, monitores analógicos. É o regresso a um tempo em que a informação eletrónica ainda respirava com a lentidão da fita magnética e a fragilidade dos circuitos físicos. O filme faz-nos sentir o peso das decisões sem rede digital — quando cada corte de câmara era irreversível, cada palavra dita em direto ecoava sem possibilidade de edição ou correção. Mas o coração do filme não é apenas esse retrato arqueológico do pré-internet. O que verdadeiramente se expõe é o lado humano: a vulnerabilidade dos jornalistas, a hesitação mo...

O Estranho Desaparecimento de Esme Lennox (2006)

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The Vanishing Act of Esme Lennox (2006)  foi o quinto livro de Maggie O’Farrell que li. Tendo começado pelo fulgor de  Hamnet (2020) , seguido pela sumptuosidade de  The Marriage Portrait  (2022) , pelo realismo à pele de I Am, I Am, I Am (2017) , e até pela ousadia formal da sua estreia em After You’d Gone (2000) , cheguei a este romance de 2006 com expectativas elevadas. A premissa é fortíssima — uma mulher injustamente internada durante décadas — e bastaria, por si só, para dar corpo a um grande livro. Mas O’Farrell não confia nesse núcleo e, em vez de o explorar até às últimas consequências, enche a narrativa de camadas suplementares, traços dramáticos que se vão acumulando e que, em excesso, soam artificiais. O resultado é um texto que se lê com facilidade, porque está sempre a oferecer segredos, pequenas revelações, reviravoltas, mas que no fim deixa pouco atrás de si. Há aqui técnicas que parecem sofisticadas: as vozes fragmentadas, as elipses, os saltos temp...