“September 5” (2024)
Há filmes que não se limitam a contar uma história, mas que nos devolvem ao corpo de uma época. September 5, de Tim Fehlbaum, é um desses raros momentos: um mergulho vertiginoso na sala de controlo da ABC durante o atentado aos Jogos Olímpicos de Munique em 1972.
A primeira impressão é a tensão brutal criada através do minimalismo. Não há efeitos de espetáculo nem multiplicação de cenários; tudo se passa na clausura técnica do estúdio, entre botões, cabos, auriculares, monitores analógicos. É o regresso a um tempo em que a informação eletrónica ainda respirava com a lentidão da fita magnética e a fragilidade dos circuitos físicos. O filme faz-nos sentir o peso das decisões sem rede digital — quando cada corte de câmara era irreversível, cada palavra dita em direto ecoava sem possibilidade de edição ou correção.
Mas o coração do filme não é apenas esse retrato arqueológico do pré-internet. O que verdadeiramente se expõe é o lado humano: a vulnerabilidade dos jornalistas, a hesitação moral, a perceção de que, num instante, a televisão se tornava mediadora de uma tragédia global. Leonie Benesch, como Marianne Gebhardt, encarna essa ferida alemã ainda aberta: uma geração a tentar libertar-se da sombra do nazismo, a carregar um silêncio pesado enquanto procura manter a dignidade. É nesse registo que surge um dos diálogos mais fortes do filme: quando, confrontada com a cumplicidade passada dos pais, Marianne afirma simplesmente: “I’m not them.” Essa frase curta, dura, ilumina todo o filme: uma linha de separação radical entre o peso da memória e o desejo de futuro.
O que sobra de September 5 não é apenas a memória de Munique, mas a consciência de que vivemos hoje noutro mundo — saturado de bases de dados, feeds instantâneos e revisões infinitas. Olhar para trás, para o tempo em que a informação era analógica, é perceber que havia um risco físico e humano em cada gesto técnico. E talvez por isso o filme nos fale tanto: lembra-nos que a verdade da comunicação nunca está nas máquinas, mas nas pessoas que carregam o peso de decidir o que mostrar e o que calar.
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