O Estranho Desaparecimento de Esme Lennox (2006)

The Vanishing Act of Esme Lennox (2006) foi o quinto livro de Maggie O’Farrell que li. Tendo começado pelo fulgor de Hamnet (2020), seguido pela sumptuosidade de The Marriage Portrait (2022), pelo realismo à pele de I Am, I Am, I Am (2017), e até pela ousadia formal da sua estreia em After You’d Gone (2000), cheguei a este romance de 2006 com expectativas elevadas. A premissa é fortíssima — uma mulher injustamente internada durante décadas — e bastaria, por si só, para dar corpo a um grande livro. Mas O’Farrell não confia nesse núcleo e, em vez de o explorar até às últimas consequências, enche a narrativa de camadas suplementares, traços dramáticos que se vão acumulando e que, em excesso, soam artificiais. O resultado é um texto que se lê com facilidade, porque está sempre a oferecer segredos, pequenas revelações, reviravoltas, mas que no fim deixa pouco atrás de si.

Há aqui técnicas que parecem sofisticadas: as vozes fragmentadas, as elipses, os saltos temporais. Mas o que cozem é um tecido próximo do melodrama, mais feito de truques de engajamento do que de densidade estética. O’Farrell consegue segurar o leitor — isso não está em causa — mas fá-lo por mecanismos mais próximos da telenovela ou do page-turner do que da literatura capaz de perdurar.

SPOILERS

O excesso de traumas sobre Esme é talvez o maior problema: a morte traumática do irmão, a violação, a retirada do bebé. Cada um isoladamente bastaria para marcar uma vida, juntos soam a artifício narrativo. A isto soma-se a revelação de que Iris é afinal filha de Esme, um twist que serve apenas para prender o leitor até ao fim. E o clímax, em que Esme mata a irmã, mina a própria tese do romance: se ela realmente o faz, já não é apenas vítima inocente, mas também perigosa, e nesse momento O’Farrell sabota o que parecia querer defender. Não há aqui final aberto, tal como não havia ambiguidade na violação. A técnica de elipse é a mesma: uma recusa em nomear, mas sem margem real de dúvida.

Há um ponto em particular que se torna decisivo para a receção do livro. Quando Iris decide o destino de Esme, a cena pode soar plausível a um leitor britânico, habituado a confiar no Estado e nas instituições. Para um leitor mediterrânico, porém, esse mesmo gesto é um falhanço moral insuportável. A nossa gramática afetiva coloca a família como último recurso, mesmo com culpa e sacrifício, enquanto no Norte prevalece a lógica institucional. Sem o querer, O’Farrell expõe uma fissura cultural profunda: não só denuncia a violência histórica contra mulheres, mas também revela os diferentes valores que cada sociedade atribui à família e à pessoa humana.

Tudo isto explica o sucesso do livro. É acessível, viciante, parece profundo. Mas quando comparo esta leitura com as anteriores, a diferença é clara. Em Hamnet encontrei uma autora madura, capaz de uma escrita atmosférica e inventiva; em O Retrato do Casamento, uma psicologia sumptuosa que iluminava as perspetivas; em I Am, I Am, I Am, uma intensidade honesta e encantatória; e até no primeiro romance, uma ousadia formal acima da média. Aqui, pelo contrário, sinto que ainda estava a procurar a sua voz, a equilibrar ambição literária com o desejo de manter o enredo sempre em alta tensão.

Publicado em 2006, The Vanishing Act of Esme Lennox é, afinal, um livro de transição. Frágil no design narrativo, carregado em excesso de drama, mas interessante como documento de percurso. Porque mostra uma escritora em construção, a experimentar formas, a ensaiar técnicas que mais tarde dominaria plenamente. A Maggie O’Farrell que hoje reconhecemos já não precisa destes artifícios.

Comentários

Mais lidos

Vidas Seguintes (2022)

A manipulação de Graham Hancock (Netflix)

Escrever com a Máquina: reflexão sobre Autoria, Colaboração e Significado

Uma breve História da Inteligência

"Careless People" (2025), diz mais sobre a autora do que sobre a Meta