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Chuva Pesada, (1966), Don Carpenter

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Há livros que parecem destinados a entrar no cânone e, no entanto, ficam à porta.  Chuva Pesada  é um desses casos, admirado, citado, mas raramente amado. A leitura é envolvente e contínua. Seguimos Jack como quem observa uma mente em movimento, tentando perceber o que o conduz, o que pensa, o que o impede de parar. Há uma coerência narrativa que prende e cria expectativa, como se algo decisivo estivesse sempre prestes a acontecer. Mas esse momento nunca chega. Carpenter constrói Jack não como uma personagem, mas como uma persona,  uma figura pensada para representar um tipo de homem. O problema é que, quando o leitor não se reconhece nesse tipo, a identificação quebra-se. Jack, órfão, ladrão, alcoólico, boxista, prisioneiro, acumula experiências, mas não ganha espessura. Acompanhamos o percurso, mas não sentimos proximidade. Quando Carpenter tenta transformá-lo num homem culto, interessado em Dostoiévski e na ópera, o texto perde verosimilhança. A reflexão filosófica s...

A Parede (1963), engenharia de solidão

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Quando comecei A Parede , pensei que era um romance sobre o Muro de Berlim . A coincidência temporal — início dos anos 60 — e o título pareciam apontar para isso. Mas rapidamente percebi que o muro de Marlen Haushofer é outro: não separa ideologias, separa a espécie do resto da vida. E o que encontrei não foi um panfleto político nem um manifesto feminista, mas uma experiência biológica da consciência. Um laboratório do isolamento humano. A parede funciona como um dispositivo narrativo simples, quase de ficção científica: uma mulher fica subitamente sozinha, cercada por uma barreira invisível. Mas esse pretexto rapidamente se desfaz. Haushofer não escreve uma aventura de sobrevivência como Robinson Crusoé  (1719) escreve o diário de alguém que se tornou prisioneira da própria existência. Onde Defoe procurava reconstruir a civilização, ela busca apenas manter-se viva, e lúcida. É uma robinsonada desprovida de fé no progresso, em que a conquista é substituída pela observação, e a ...

A Mulher da Areia (1962)

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Kōbō Abe colocou um homem num buraco de areia e deixou-o ali por trezentas páginas. A premissa é poderosa: um professor de Tóquio enganado por aldeões, preso numa casa que precisa ser escavada todas as noites para não desaparecer sob a areia. É impossível não pensar em Camus, Kafka ou Beckett — todos eles a dizerem-nos que a vida é um círculo repetitivo sem saída. Mas onde Camus encontra clareza filosófica e Beckett arranca humor negro do vazio, Abe entrega-nos apenas areia, sempre a mesma, noite após noite.