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A mostrar mensagens de 2023

Agência não determinada

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Este ano foi fértil na luta entre os defensores do determinismo e os do livre-arbítrio, com o livro " Determined " (2023) de Sapolsky a defender o primeiro, e o livro de Kevin Mitchell, " Free Agents" (2023), o segundo. Ambos são neurocientistas, Sapolsky na Universidade de Stanford, Mitchell no Trinity College de Dublin. Sobre o primeiro livro, já aqui dei conta , sobre o segundo, aconselho a leiturada da  síntese de Bailey para a Reason . A meio de "Free Agents", cansei-me totalmente desta discussão. Já me tinha saturado com Sapolsky, mas agora decidi mesmo não voltar tão depressa a este tema. Cada lado dedica-se apenas e só a listar exaustivamente pontos que consideram essenciais e que demonstram como a razão está do seu lado. Contudo, a culpa não é deles, é do debate, do quão desprovido de sentido está. " Determined " de Sapolsky  e " Free Agents"  de Kevin Mitchell, ambos publicados em outubro 2023. Imagem de Bill Sullivan. É des...

Homo Faber, o determinado

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"Homo Faber" é um livro bastante discutido no seio da academia, nomeadamente na relação entre literatura e filosofia, pela forma como usa a narrativa para discutir assuntos complexos como a racionalidade, o determinismo e o acaso no modo como suportam ou contrapõem a ideia do “humano que faz”. O livro foi publicado em 1957 pelo suíço Max Frisch e, segundo o próprio, teve como ponto de partida a neutralidade da Suíça na Segunda Guerra Mundial. A narrativa criada por Frisch não é completamente nova, antes assenta numa emulação quase direta da seminal obra de Sofócles, “Édipo Rei” de 427 a.C . Contudo o cenário construído por Frisch é inescapável à época em que foi escrita, denotando proximidades na descrição social — conservadorismo, conformismo, e ambição tecnológica —, com obras como “ Fahrenheit 451 ” (1953) de Ray Bradbury ou “Flowers for Algernon” (1966) .  A escrita de "Homo Faber" segue o estilo de relatórios escritos por parte de um engenheiro que viaja pelo g...

A Distinção, de Bourdieu a Rivière

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Tiphaine Rivière já nos tinha dado o belíssimo  “Carnets de These” (2015) , sobre a sua experiência falhada de terminar um doutoramento, no qual realiza toda uma pedagogia sobre as dificuldades e misticismos do acesso à carreira académica. Nesta sua nova banda-desenhada, “La Distinction” (2023), manteve a postura didática assim como a análise social, mas desta vez assente numa obra da sociologia centrada nos juízos do gosto social. O resultado é uma obra facilitadora do trabalho seminal de Pierre Bourdieu, “La Distinction: Critique sociale du jugement” (1979), capaz de conectar os conceitos definidos nos anos 1970 com as gerações do século XXI. Para isso, Rivière criou um cenário no qual temos um professor de um liceu francês a debater com os seus alunos, provenientes das mais diversas origens sociais, o gosto artístico que suporta a diferença entre classes, oferecendo espaço aos alunos para contraporem, via a sua própria experiência, cada conceito de Bourdieu. O liv...

The Callisto Protocol (2022)

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The Callisto Protocol  não tem argumentos salientes nem oferece particular originalidade. Talvez o único atributo de que se possa valer, em termos promocionais, seja o facto de ter sido criado pela equipa de "Dead Space". No entanto, é um jogo que acaba por cumprir com as expectativas gerais daquilo que se espera de um jogo do género, conseguindo criar engajamento sustentado até ao final do jogo. A história começa muito bem, mas rapidamente entra em modo repetição já que 90% da mesma é investida na nossa tentativa de escapar de uma grande prisão. Os audio logs podiam ser mais bastos e mais profundos. O melhor acabam sendo as mecânicas acessíveis e a constante surpresa providenciada pela atmosfera de horror, com algum humor à mistura, capazes de manter o nosso interesse pela ação do jogo. O sistema de melee funciona muito bem em termos de desvio e contra-ataque, assim como sistema de looting e controlo dos níveis de saúde. O nível de dificuldade, mesmo a jogar em modo fácil, ...

Livrarias de mulheres

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Texto salvo da conta Substack, que criei em julho 2023 e apaguei em dezembro 2023, através de um post incompleto no Facebook . --- A propósito da nova livraria em Lisboa que vai vender apenas livros escritos por mulheres e ainda de alegadas estatísticas que foram apregoadas na recente conferência nacional, Book 2.0 , era bom que as pessoas olhassem à realidade em que vivem, nomeadamente atentassem a que já estamos no século XXI, porque se existe área cultural que é hoje dominada pelas mulheres é a dos livros.  Para o efeito, deixo a lista atual dos livros de ficção mais vendidos nos EUA, elaborada pelo New York Times. 1. FOURTH WING by Rebecca Yarros 2. TOM LAKE by Ann Patchett 3. HAPPINESS by Danielle Steel 4. NONE OF THIS IS TRUE by Lisa Jewell 5. THE HEAVEN & EARTH GROCERY STORE by James McBride 6. TOO LATE by Colleen Hoover 7. LESSONS IN CHEMISTRY by Bonnie Garmus 8. IT ENDS WITH US by Colleen Hoover 9. THE HOUSEMAID by Freida McFadden 10. THE COVENANT OF WATER b...

As Memórias do Livro

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Texto salvo da conta Substack que criei em julho 2023 e apaguei em dezembro 2023. --- Premissa excelente, notável investigação e até um interessante enquadramento ficcional, mas que acaba a falhar na dramatização. “As Memórias do Livro” (2008) procura ficcionar a verdadeira história de sobrevivência, ao longo de 500 anos, do manuscrito “Hagadá de Sarajevo” (1492). O manuscrito regista várias particularidades: é um texto que aborda a visão judaica do mundo, tendo sido por várias vezes salvo da destruição por guardadores judeus, muçulmanos e cristãos; é um livro de iluminuras repletas de representações humanas, imagens proibidas tanto por judeus como muçulmanos; é um livro feito de grande luxo — folhas de velino de pele de bezerro, ilustradas a folha de ouro e lápis-lazúli (ver vídeo de fac simile )— contudo não se conseguiu até hoje identificar quem o fez, desenhou ou encomendou; e por fim, escapou à expulsão dos judeus de Espanha em 1492, escaparia novamente à censura em Veneza no sécu...

Oppenheimer (2023)

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Texto salvo da conta Substack, que criei em julho 2023 e apaguei em dezembro 2023, através de um post incompleto no  Facebook . --- “Oppenheimer” (2023) não é o típico filme de Christopher Nolan, alguém habituado a transformar a realidade — espaço/tempo — por meio de todas as formas audiovisuais que o cinema permite. Tendo aceite o espartilho realista que a biografia de uma pessoa obriga, Nolan sentiu-se obrigado a seguir factos e cronologia. Diga-se que a vida de quem se fala, ligada às grandes abstrações da Física, nomeadamente as suas particularidades quânticas, teria permitido toda a abordagem nolaniana — por várias vezes vemos inserções de referências que poderiam ter servido Nolan, tais como T.S. Eliot, Picasso, ou o próprio Einstein — mas o tom do livro em que se baseou— “American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer” (2005) de Martin Sherwin e Kai Bird —, não se coadunaria com experimentalismos narrativos.  Com isto, não estou a dizer que Nolan ...