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A mostrar mensagens de novembro, 2024

Vidas Seguintes (2022)

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Abdulrazak Gurnah recebeu o  Nobel em 2021 , tendo este "Vidas Seguintes" saído no ano seguinte. Foi o único que li até agora do autor. Mas pelo que li sobre o mesmo, vem na linha dos seus livros anteriores. A escrita de Gurnah é, sem dúvida, um dos pontos altos. A prosa, é caracterizada por um lirismo discreto e preciso, capaz de nos hipnotizar. Impressiona o modo como evitando a ação, nos consegue prender pela mera descrição do que acontece. Nomeadamente, os personagens munidos de uma calma imensa, quase ausentes de emocionalidade, levam-nos pela mão, convencendo-nos a aceitar o trauma como uma inevitabilidade. Isto é tanto mais relevante por se focar nas questões da colonização de África pela Europa, que alegadamente aconteceu sem oposição. Como se Gurnah precisasse dessa encenação para dar conta da profundidade do choque produzido pela colonização. A narrativa é deliberadamente arrastada, fornecendo detalhes históricos e culturais, despidos da esperada emocionalidade trág...

Eu Que Nunca Conheci Homens (1995)

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“I Who Have Never Known Men” (1995) de Jacqueline Harpman parece ser apenas mais uma distopia feminina, na senda de “ A História de uma Serva (1985) ” de Margaret Atwood, contudo, em termos do questionamento que nos faz, está em linha com todas as outras grandes distopias — “Nós” (1921) de Evguén Zamiátin, "Metropolis" (1927) Fritz Lang, "Admirável Mundo Novo" (1932) Aldous Huxley, "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro" (1948) George Orwell, "Fahrenheit 451" (1953) Ray Bradbury. Diria mesmo que de todas estas é a mais ampla e profunda, para o que terá contribuído o facto de Jacqueline Harpman ser psicanalista. O livro foi escrito em 1995 e lançado sem grande impacto. Harpman era belga, com uma carreira limitada ao mercado francófono. Contudo, em 2019 quando a Penguin (através da Vintage) resolveu traduzir o livro para inglês e lançá-lo por meio de uma forte campanha online viria a atingir a viralidade no TikTok. A campanha foi acompanhada por açõ...

Platão nos anos 2000

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"Plato at the Googleplex" (2014) é um livro difícil, com algumas partes hilariantes que ajudam a ultrapassar as mais densas, mas que em essência me fizeram compreender de que é feita a filosofia que há tantos anos leio com entusiasmo. Neste trabalho Goldstein dá conta da atualidade das ideias de Platão, ao trazê-lo para os anos 2000, colocando-o a debater questões que continuam sem resposta desde a Antiga Grécia, evidenciando que apesar da evolução do conhecimento científico, a forma da filosofia continua atual. Nesse sentido, a dialética é a base, é ela mesma a própria filosofia. Importa o processo de argumentação e contra-argumentação, e não propriamente a meta, a resposta final. As grandes discussões assentam em paradoxos ou em equilíbrios de partes contraditórias, pelo que a discussão pode ser infinita, com Goldenstein a afirmar que o progresso é “invisible because it is incorporated into our points of view. . . . We don’t see it, because we see with it.” . Ou seja, a fil...

Generalistas e Especialistas, mais uma vez

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O tema é extremamente importante, mas o livro, apesar de algumas partes boas, não passa de um conjunto de histórias coladas umas atrás das outras. É jornalismo de ciência, serve bem a quem nunca ouviu falar do assunto, mas o assunto está longe de ser novo. Isto para não dizer que os dotes de contar histórias de Epstein ficam alguns pontos abaixo de outros autores que fizeram carreira na escrita deste tipo de livros — Malcolm Gladwell, Geoffrey Colvin ou Daniel Coyle — criando várias zonas de tédio ao longo do livro, especialmente pela repetição da estrutura dos capítulos — história principal, estudos, histórias — ausente de foco e ligação ao todo. Concordo que no domínio dos desportos, música e competição a tradição nos tem trazido quase só livros focados no treino intensivo desde cedo, as 10 mil horas — “ Outliers: The Story of Success ” (2008) de Malcolm Gladwell; “ Talent Is Overrated: What Really Separates World-Class Performers from Everybody Else ” (2008) de Geoffrey Colvin, ou “...

A extinção da razão

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 “The Extinction of Experience: Being Human in a Disembodied World” (2024) era um livro que eu queria muito ler e queria muito gostar. Mas Christine Rosen não escreveu um livro sobre a Experiência Humana, antes listou um rol de queixas contra as mais recentes tecnologias de comunicação — ecrãs, smartphones, rede sociais, realidade virtual, IA, etc —, falhando na sustentação com evidências para a maior parte dessas queixas. Não basta citar um artigo aqui e um estudo ali. As evidências de impactos sociais, mais ainda no caso dos psicológicos, requerem amplos estudos, muito acima dos normais 30, 40 ou 60 individuos dos estudos isolados. Requerem replicação cuidada nas mais diversas culturas e circunstâncias e manutenção das condições e evidências ao longo do tempo. Utilizar estudos isolados para tecer causalidades sobre o estado da civilização como um todo é ingenuidade, para não dizer algo pior. Tanto aqui, como no outro, muito mais badalado, e já traduzido em Portugal, livro, “ A Ge...

Papisa e Generala

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Há 20 anos que pretendia ler “A Papisa Joana” muito motivado pela premissa — uma mulher Papa — contudo algo me foi sempre afastando do livro. Chegado ao fim, parece-me que a minha intuição tinha alguma razão de ser. Em vez de ficção histórica, temos romance e aventuras, com todos os problemas que daí advêm, nomeadamente as coincidências de enredo que forçam o suspense e espanto assim como os personagens perfeitamente delineados entre bem e mal, a que se junta a história de amor à lá Romeo e Julieta. Por outro lado, é preciso reconhecer que Donna Woolfolk Cross fez um excelente trabalho de investigação sobre a época em questão, o século IX, não apenas nos modos de viver, ou sobreviver, mas também do funcionamento da Igreja. Tudo junto, acaba por, no meio de alguns enfados, ser uma obra de leitura rápida, e mais importante, capaz de nos transportar para a época. Capa do livro sobre a Papisa e cartaz da série sobre a Generala. Relativamente à componente histórica, parti para o livro com a...