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A mostrar mensagens de abril, 2025

SEE (1.ª temporada)

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É quase impossível não nos sentirmos seduzidos pelo mundo de SEE (2019) . A série envolve-nos num universo visualmente marcante, onde a ausência de visão molda o quotidiano, a linguagem e a guerra. E, no entanto, à medida que os episódios avançam, é essa mesma sedução que começa a ruir sob o peso de um guião preguiçoso, incoerente e preso a convenções ultrapassadas. A primeira grande fissura surge numa das cenas mais faladas da temporada: a masturbação da Rainha Sibeth enquanto reza. Se, num primeiro olhar, o gesto poderia ser lido como uma fusão transcendental entre espiritualidade e prazer — quase uma performance de autonomia corporal e mística —, rapidamente percebemos que a série não quer, afinal, explorar essa complexidade. A repetição do ritual, agora forçando uma escrava a um ato sexual, revela o subtexto: estamos perante a velha figura da vilã hipersexualizada, onde o corpo feminino serve para marcar perversidade e desvio. Uma leitura que poderia ter sido libertadora torna-se a...

Não-Humano (1948)

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Há livros que nos obrigam a confrontar o abismo da experiência humana, e há livros que apenas nos apontam esse abismo com indiferença. "Não-Humano", de Osamu Dazai, pretende ser o retrato cru da alienação moderna, mas o que encontrei foi antes o relato algo lânguido de uma existência parasitária, encenada com elegância mas vazia de verdadeiro impacto. A história gira em torno de Yozo, um jovem incapaz de se integrar na sociedade, desprovido de sentido existencial, movendo-se entre máscaras sociais, vícios e relações falhadas. Desde cedo se apresenta como alguém diferente, incompreendido, inadaptado – mas nunca se torna mais do que isso. O que poderia ser o ponto de partida para um confronto profundo com a condição humana transforma-se numa deriva repetitiva, onde o protagonista jamais se sujeita a um embate real com a vida. A escrita de Dazai é cuidada, por vezes até bela na sua secura. Mas o estilo nunca resgata a matéria: o protagonista não se constrói, não se revela, não s...

Atos Humanos (2014)

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Há livros que não se leem apenas — atravessam-nos. Atos Humanos, de Han Kang, é um desses livros. Terminei a leitura durante a semana que passou, mas ainda não me desliguei dele. Não é um romance que se devore; é um texto que se suporta, por vezes com dificuldade, como quem segura na mão um fragmento de memórias indigestas mas necessárias. Desconhecia os acontecimentos de Gwangju em 1980. Foi um choque. Sei o quão dificil tem sido a história da Coreia do Sul, desde a relação com o Japão, ao problema da divisão nunca sanada entre norte e sul, mas não tinha ideia das ditaduras que governaram o país nos anos mais recentes, e menos ainda desta violentíssimo golpe de Estado e de todo o horror que se lhe seguiu. A brutalidade da repressão, a frieza institucional, e sobretudo o apagamento deliberado da história. Ao dar corpo a essas vozes silenciadas, Han Kang transforma o romance numa forma de acusação e num veículo de memória coletiva. Se em A Vegetariana já se sentia uma escrita afiad...