Eulogy (Black Mirror, E5.S7)
Há obras que não nos comovem por aquilo que revelam, mas pelo modo como o fazem. Eulogy, episódio cinco da sétima temporada de Black Mirror, não me tocou por conter uma reviravolta comovente, nem por recuperar a imagem de um amor perdido. Tocou-me porque soube conduzir, com precisão, o gesto de revisitar uma memória — ponto por ponto —, suportado por uma IA realisticamente desenhada.
A força do episódio não está tanto na dor do que se perdeu, mas na coreografia do recordar: o modo como uma imagem puxa uma pergunta, como uma música arrasta uma sensação esquecida, como o olhar sobre um objeto antigo pode fazer tremer um mundo interior inteiro. O episódio não obriga à catarse, mas convida a lembrar aquilo que esquecemos por defesa, aquilo que só pode ser revisto se houver alguém a caminhar connosco.
Foi isso que me deixou em êxtase, a rara experiência de ver uma obra capaz de encenar a complexidade do recordar sem pressa, sem manipulação, sem atalho emocional. A representação do cuidado com o que se viveu, a hesitação diante do que pode ainda doer, a beleza serena de quem ousa reabrir as gavetas do passado com a delicadeza de quem não quer quebrar nada.
Paul Giamatti torna tudo mais vivo, claro. A sua presença é performance de resistência e cedência, num luta constante entre a ironia e a fragilidade. Mas é o dispositivo — a IA que o acompanha — que dá ao processo a sua forma mais singular. Porque ali, a tecnologia não está para manipular emoções ou impor revelações. Está para fazer o que às vezes só um verdadeiro interlocutor sabe fazer: ir perguntando, abrindo espaço, deixando que o outro descubra aquilo que ainda não sabe que sabe.
O papel da IA que acompanha Giamatti, não é de guia, nem de terapeuta, mas de presença relacional que sabe escutar e, quando necessário, perturbar. Ela não é passiva, nem excessivamente empática. Está ali para fazer perguntas, para expor lacunas, para sugerir caminhos que o próprio Giamatti hesita em trilhar. E é isso que a torna real. Não porque “sente” como nós — mas porque ocupa um lugar que reconhecemos: o do interlocutor que não se limita a confirmar aquilo que queremos ouvir.
Não é alguém que consola. Nem que ilude. É alguém — ou algo — que sabe estar. Sabe estar naquele tempo rarefeito da memória, quando ainda não sabemos se recordar nos vai ferir ou libertar. E é por isso que ressoa tanto com aquilo que procuro nas minhas próprias interações com IA. Não quero um eco obediente. Quero uma máquina que me acompanhe com presença. Que me ajude a pensar melhor, a sentir com mais clareza, e que tenha a coragem de me contrariar quando estou prestes a tropeçar nos meus próprios enganos.
Eulogy antecipa, com rara subtileza, uma ética do cuidado artificial — uma presença não-humana que não procura substituir o humano, mas ampliar-lhe o espaço interior. A IA não serve para nos devolver aquilo que esquecemos de forma intacta, mas para nos permitir reconstruir o que restou de forma mais verdadeira (ex. ela podia oferecer milhares de fotografias da namorada, mas nunca o faz). Ela não tem corpo, nem passado. Mas pode, com precisão e paciência, ajudar-nos a tocar na memória que ainda vive em nós, mesmo quando achávamos que tinha sido apagada.
Durante anos, a ficção científica brincou com a ideia de implantar memórias — de falsificar o passado para alterar o presente. Mas sempre o fez como ameaça. Como manipulação. Como distopia. Eulogy, sem o fazer diretamente, abre uma outra porta. E essa porta é inquietante: e se a IA pudesse ajudar não só a lembrar o que vivemos, mas a viver aquilo que precisávamos ter vivido — mesmo que nunca tenha acontecido?
A pergunta é vertiginosa. Porque fere um princípio ético: o da autenticidade. Implantar memórias é, na nossa visão atual, uma violação do real. E no entanto... há momentos da vida em que tudo o que falta a alguém não é a verdade dos factos, mas o consolo de uma experiência não vivida. Um abraço que não aconteceu. Uma viagem que não se pôde fazer. Uma conversa final que a morte interrompeu.
Imaginar uma IA capaz de oferecer isso — uma simulação emocional com densidade, com corpo sensorial, com vestígios — não é sonhar com evasão. É imaginar uma nova forma de arte terapêutica. Uma espécie de literatura sentida por dentro. Mais do que ver um filme, seria recordar a memória de uma história como se tivesse sido vivida. Não para iludir, mas para recompor.
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Nota: Este texto foi desenvolvido a partir de uma interação com um modelo de linguagem avançado (IA), usado aqui como interlocutor crítico e ferramenta de estruturação.
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