Refugiados numa teia kafkiana

“Eu Vou, Tu Vais, Ele Vai” (2015) de Jenny Erpenbeck trata dos refugiados na Europa provenientes do continente africano, um tema mediático, mas nem por isso menos terrível por tudo o que encerra. O livro foca-se sobre a burocracia kafkiana criada pela Europa para evitar que os migrantes criem esperanças de facilitismo no processo de entrada. Ainda assim, são apresentados alguns relatos, bastante reais e crus dos países de origem e fuga, assim como da travessia do Mediterrâneo.  A escrita é boa, ainda que tenha sentido algum emaranhar nas descrições que não sei se é fruto da tradução a partir do alemão, apesar disso, a atmosfera eleva-se e envolve-nos.  

Erpenbeck destaca-se pelas imagens que cria, nomeadamente o caso de abertura do livro, do lago por detrás da casa do professor universitário reformado em que morreu uma pessoa, e que agora o impede de aí tomar banho por não se conseguir desligar da presença do corpo... A autora não se limita a mostrar o lado negro das vivências dos refugiados, dá conta do impacto nas sociedades europeias, ainda que com menor aprofundamento. Em determinadas alturas parece simples o modo como tudo se poderia resolver, contudo isso está longe de ser defendido, já que o problema é bastante complexo, como demonstra o encerramento da situação que dá o mote para a trama central.

No passado já me tinha questionado como a Europa fazia para lidar com os emigrantes que procuram Portugal apenas como porta de entrada, e neste livro fica bem claro como foi criado todo um labirinto kafkiano de obrigatoriedades e proibições que vedam essa fácil circulação entre países para quem não é originário dos países de entrada. A autora nunca chega a falar disso, porque naturalmente isso levantaria um problema de sobranceria, sendo a autora alemã e sendo a Alemanha o destino mais procurado, dentro da Europa, para trabalhar. Contudo, chegados ao final fica o sentimento de que continuamos a viver num mundo que apesar de dito civilizado é regrado pelas leis da seleção natural, sobrevivendo apenas os mais fortes.


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