Velar por Ela (2023)

“Velar por Ela”, de Jean-Baptiste Andrea, ganhou o Goncourt 2023, o principal prémio literário francês, através de um desempate realizado pelo presidente depois de 14 rondas a terminarem 5 contra 5. “Sarah, Susanne et l'écrivain” de Eric Reinhardt, o candidato natural a este tipo de prémio, ficou pelo caminho. Dito isto, “Velar por Ela” afasta-se das convenções dos prémios literários não conotando com complexidade, profundidade nem singularidade. Contudo, a história é original, a escrita é poética e fluída, e a trama enreda-nos em velocidade e até à última página. O cenário é uma aldeia no norte de Itália atravessado por toda a primeira parte do século XX. O nó do conflito centra-se sobre a amizade improvável entre uma menina da alta, Viola, intelectualmente dotada mas retraída pela família e costumes, e um jovem anão, Mimo, sem família nem posses, mas com um dom de génio para a escultura. Um cenário que nos transporta para o “Cinema Paradiso” (1988), com peripécias dignas de “O Pintassilgo” (2013), de Donna Tartt, envoltas em discussões sobre arte à lá “Inferno” (2013) de Dan Brown.


A "Pietá" (1499), de Michelangelo, está no centro de toda a trama, abrindo e encerrando o romance, servindo de elo de ligação entre Mimo e Viola, colocando em evidência a arte maior da escultura e a total abnegação, oferecendo a significação mais completa ao romance.

Basílica de São Pedro, Cidade do Vaticano

Descrição da escultura: “A escultura capta o momento em que Jesus, descido da cruz, é entregue à sua mãe Maria.” “As figuras são desproporcionais, devido à dificuldade de representar um homem adulto deitado ao colo de uma mulher. A maior parte do corpo de Maria é ocultada pelo seu panejamento monumental, com a relação entre as figuras a parecer perfeitamente natural”, “colocando em evidência a originalidade pela fusão entre o naturalismo e os ideais renascentistas da beleza clássica”. “A interpretação de Miguel Ângelo da Pietà foi ainda inovadora ao esculpir uma Maria jovem e bela em vez de uma mulher naturalmente mais velha (com mais de 45 anos), que deveria ser proporcional à idade natural do seu filho, Jesus (com 33 anos)”. “Os historiadores de arte acreditam que Miguel Ângelo se inspirou numa passagem da Divina Comédia de Dante Alighieri: "Ó virgem mãe, filha do teu Filho... o teu mérito enobreceu de tal modo a natureza humana que o seu divino Criador não hesitou em tornar-se tua criatura" (Paraíso, Canto XXXIII).”

"A 21 de maio de 1972, um geólogo com perturbações mentais, australiano de origem húngara, Laszlo Toth, entrou na capela e atacou a escultura com um martelo de geólogo, enquanto gritava: "Eu sou Jesus Cristo; ressuscitei dos mortos!"[16] Com 15 golpes, retirou o braço de Maria pelo cotovelo, arrancou-lhe um pedaço do nariz e lascou-lhe uma das pálpebras."

Museu do Prado, Madrid

Uma outra obra central é "A Anunciação" (1435-45) de Fra Angelico. Criada para o Convento de São Marcos, Florença. Fra Angelico criou várias versões da Anunciação, sendo a mais completa criada para Convento di San Domenico, Florença, que está agora em exposição no Museu do Prado, Madrid.

Descrição: "A superfície pintada está dividida em três zonas (o jardim, a arcada do Anjo e a arcada da Virgem). Adão e Eva banidos do Paraíso Terrestre, movem-se através de um jardim de flores alusivo à virgindade de Maria ("hortus conclusus"), povoado por uma multiplicidade de plantas. Entre as espécies ligadas a valores simbólicos, contam-se a palmeira, que evoca o futuro martírio de Cristo, e as rosas vermelhas, que recordam o sangue da Paixão de Cristo. A presença de Adão e Eva sublinha o ciclo de condenação da humanidade, recomposto pela salvação em Cristo, possível graças à aceitação de Maria". "Do canto superior esquerdo desce um raio de luz divina que, através da pomba do Espírito Santo, ilumina a Virgem, que se inclina submissa, aceitando o seu encargo. Ela está sentada num assento coberto por um rico pano que serve também de tapete, e tem um livro aberto sobre os joelhos, simbolizando as Escrituras que hão-de vir."

A base para a Anunciação é um excerto do Evangelho de São Lucas:

"26. Quando Isabel estava no sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, 27. a uma virgem prometida em casamento a um homem de nome José, da casa de Davi. A virgem se chamava Maria. 28. O anjo entrou onde ela estava e disse: “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo”. 29. Ela perturbou-se com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. 30. O anjo, então, disse: “Não tenhas medo, Maria! Encontraste graça junto a Deus. 31. Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. 32. Ele será grande; será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai. 33. Ele reinará para sempre sobre a descendência de Jacó, e o seu reino não terá fim”. 34. Maria, então, perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem?” 35. O anjo respondeu: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus. 36. Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice. Este já é o sexto mês daquela que era chamada estéril, 37. pois para Deus nada é impossível”. 38. Maria disse: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E o anjo retirou-se.” Lucas 1:26–38. (63 d.C.) 

Para terminar, deixo um excerto que me ofereceu uma pequena delícia, servindo também àqueles que como eu preferem viajar pelo mundo através de histórias contadas pelos livros, filmes e videojogos.




Comentários

Mensagens populares deste blogue

Depois do Substack e do Wordpress, de volta ao Blogger

A manipulação de Graham Hancock (Netflix)

"Caderno Proibido" de Alba Céspedes