Connemara (2022)
Peguei no Connemara (2022) de Nicolas Mathieu movido por uma nostalgia difícil de explicar. Talvez fosse a capa, que me fazia lembrar viagens, ou a vontade de revisitar o passado através das palavras de alguém que, como eu, parece ter percebido que a vida raramente corresponde aos sonhos que construímos. Logo nas primeiras páginas, senti que o livro me falava diretamente: o cansaço com o presente, a sensação de não ter chegado a lado nenhum, a ideia de que tudo aquilo que parecia tão importante na juventude acabou por se dissipar, transformando-se em recordações que resistem apenas pela força da memória.
À medida que avançava na leitura, percebi que a única salvação que o autor nos dá — ou talvez o único consolo — é a possibilidade de regressar a esse lugar interior onde guardamos, entre fracassos e conquistas, as memórias que nos formaram. Um refúgio sentimental, onde, mesmo que tudo pareça desfeito, encontramos ainda algum conforto emocional. Foi isso que me agarrou ao livro, mais até do que a trama ou as personagens: esse sentimento agridoce de quem percebe que, no fundo, nada se resolveu, mas que, ainda assim, podemos regressar — pelo menos em pensamento — ao sítio onde fomos felizes, ou onde, pelo menos, acreditámos que poderíamos ter sido.
Julgo que Nicolas Mathieu escreve de forma belíssima, conseguindo mostrar com mestria aquilo que está a acontecer, enquanto vai construindo, com um vocabulário rico e detalhado, atmosferas densas e elaboradas. É uma escrita que envolve, quase como se estivéssemos a espreitar por uma janela para dentro das vidas das personagens. No entanto, senti que, em certos momentos, essa riqueza de pormenores se transformava em excesso. A minúcia dos detalhes — jogos de hóquei, sessões de sexo, festas de casamento — tornava-se por vezes cansativa, como se servisse apenas para preencher o vazio da história, em vez de a fazer avançar emocionalmente.
O olhar de Mathieu é por vezes demasiado clínico, quase como um etnógrafo que observa de fora, sem se deixar contaminar pelo que descreve. Havia momentos em que desejava sentir um pouco mais — que a cena transbordasse algo, que me deixasse arrepiado ou comovido. O exemplo mais claro, para mim, foram os jogos de hóquei: não conhecendo bem o desporto, não consegui “entrar” nas cenas. Descrever desportos é sempre uma tarefa ingrata: funciona bem se for para mostrar momentos de impacto, mas para nos fazer vibrar com o detalhe é preciso que o leitor traga muito do seu próprio conhecimento. E isso, no meu caso, não aconteceu.
Quando cheguei ao final, senti-me suspenso, como se o autor tivesse decidido não fechar a história, nem deixá-la aberta. Hélène e Christophe, que haviam reencontrado uma centelha de algo que parecia prometer, voltam para casa — cada um para a sua vida, cada um para o seu canto. E depois, um epílogo que nos diz que continuam, separados, algures no futuro, a viver as suas rotinas, como se nada tivesse acontecido. Talvez seja essa a intenção de Mathieu: mostrar que, muitas vezes, a vida não oferece redenção nem conclusão, apenas a continuidade da passagem do tempo.
Mas não pude deixar de sentir um vazio. Não é que eu quisesse um final feliz — na verdade, teria ficado ainda mais dececionado se os dois tivessem acabado juntos, num final romântico que traísse o tom agridoce de toda a narrativa. O que me incomodou foi essa sensação de que nem acaba nem deixa de acabar. Fica-se ali, num limbo, sem que nada mude verdadeiramente. Talvez seja essa a grande verdade do livro, mas também é o que mais me afastou dele. Porque, no fundo, eu queria sentir algo no final, mesmo que fosse a dor da separação ou a alegria de uma nova vida. Em vez disso, fiquei apenas com uma espécie de anestesia emocional, como se a vida seguisse em frente sem grandes dramas, nem grandes alegrias — apenas seguindo.
No final, Connemara deixou-me com sentimentos mistos. Por um lado, admirei profundamente a escrita de Nicolas Mathieu — a forma como observa, como descreve, como constrói atmosferas. Por outro, senti que essa observação minuciosa falha, muitas vezes, em transmitir emoção. Como se o autor estivesse sempre num passo atrás, sem se querer comprometer com o que descreve. Gostei da melancolia nostálgica que atravessa o livro, da forma como nos faz sentir que a vida se vai desfiando aos poucos, que os sonhos ficam para trás e que as memórias são o único lugar onde ainda podemos regressar. Mas senti também que, para mim, não basta descrever: é preciso fazer sentir. Porque, no fim, a literatura, como a vida, pede mais do que a simples enumeração dos dias — pede que nos deixemos tocar por ela.
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