Contos dos Subúrbios (2025) de Karim Vali
"Contos dos Subúrbios" não se impõe por surpresa, mas por nitidez. A escrita de Karim Vali é limpa, controlada, muitas vezes elegante, uma escrita que sabe o que está a fazer e onde se posiciona. Cada conto avança com segurança, sustentado por uma consciência clara do mundo contemporâneo e das suas fraturas: identidade, pertença, desigualdade, olhar social.
O que se reconhece de imediato no livro é a sua capacidade de falar de vidas correntes, de pessoas que atravessam o quotidiano carregando um peso interior constante, raramente nomeado. A atenção está aqui focada na experiência subjetiva daqueles que vivem nos interstícios, entre classes, entre identidades. Não é uma atenção sensacionalista; é reflexiva.
A escrita de Vali é profundamente consciente do seu tempo. Tudo é depurado em conceitos e categorias, a ponto de, por vezes, o real já se apresentar como explicação. O sofrimento, o desconforto, surgem filtrados por uma grelha interpretativa, quase demasiado sólida. O leitor sente mais a inteligência que observa a dor, do que a dor que irrompe do imprevisto.
Alguns finais recorrem a soluções narrativas engenhosas e plausíveis, twists que funcionam e revelam domínio técnico. Ainda assim, a pergunta permanece suspensa: seriam necessários? Em certos casos, a sensação é a de um fecho demasiado redondo. Não se sente truque gratuito, mas sente-se a mão do autor, que eleva a arte acima da inevitabilidade.
Este é, talvez, o traço mais distintivo do livro: Contos dos Subúrbios é uma obra de alto controlo. Nada explode fora do campo de visão do autor. Para alguns, isso pode ser virtude; para outros, pode criar distância emocional, a impressão de que o texto pensa o mundo melhor do que o deixa acontecer.
Ainda assim, há uma honestidade de fundo que sustenta a escrita. Ela não pretende ser universal, nem redentora. Limita-se a observar com rigor, e isso, num tempo de discursos apressados, já é um gesto relevante. Contos dos Subúrbios não exige adesão automática; pede escuta e leitura crítica. E é nesse espaço intermédio — entre a concordância e a fricção — que o livro encontra a sua força.

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