One Battle After Another (2025)
Há filmes que vivem do excesso, do risco. E há outros que vivem da sensação de risco, sem nunca se aproximrem dele. One Battle After Another é o segundo caso: um dispositivo de alta energia estética, muito barulho, muita pose, muita coreografia, e uma espantosa ausência de pensamento por baixo do verniz.
O filme é vendido como sátira política à América polarizada, mas o que encontramos é mais simples e muito mais pobre. Os grupos revolucionários que deveriam carregar uma experiência histórica, um legado de violência, de clandestinidade e de resistência real, aparecem retratados como crianças hiperativas a brincar aos códigos secretos. No extremo oposto, o “vilão” da extrema-direita é uma caricatura que não exige reflexão: basta uniforme, rigidez e frases ocas. No fim, ambos os lados são reduzidos à mesma idiotia simbólica. É o sonho da direita americana: antifa e supremacistas como palhaços equivalentes numa fantasia sem consequências.
O mais perturbador é que isto não é ingenuidade é escolha estética. A política é tratada como textura, não como posição. A violência é piada. A militância é farsa. E a América, que está hoje mais próxima do abismo autoritário do que em qualquer outro momento desde a Guerra Civil, surge aqui transformada em paisagem de cartoon. O filme partilha a tese mais conveniente do liberalismo saturado: “os extremos são todos ridículos, o problema não é o fascismo, é o barulho”. Esta neutralização do real, embrulhada em adrenalina visual, é o gesto mais irresponsável do filme.
Há quem fale no filme como “ambíguo”, “complexo”, “cheio de ideias”. Mas o que o filme faz não é ambiguidade, é vazio. A forma é veloz, sim; a montagem é excitada; a câmara tem energia; mas tudo isso trabalha para esconder que não há nada para descobrir. A relação pai-filha, a perseguição obsessiva, a tragédia intergeracional, tudo existe para dar ilusão de espessura emocional, sem nunca se arriscar a produzir verdade. São bonecos com a aparência de temas.
Há algo curioso e perturbador no modo como One Battle After Another se apresenta: a sua estética de caos controlado, as personagens-caricatura, a fábula política sem verdadeira política, tudo isto aproxima o filme de uma tendência contemporânea mais vasta, visível também na literatura que tenta ecoar Pynchon sem a sua profundidade.
Li recentemente o início de "O Fim dos Estados Unidos da América", (2025) de Gonçalo M. Tavares, e a sensação foi estranhamente semelhante: grandes temas, grandes nomes, grandes fábulas, tudo carregado de energia formal… mas quase nada que nasça de uma experiência humana ou de uma visão moral consistente. Tal como em PTA, o excesso simbólico funciona como disfarce, a caricatura como atalho, e a sátira como desculpa para não assumir uma posição. O caos é estilizado, mas não é pensado; é ruidoso, mas não é revelador.
Pynchon conseguia transformar o absurdo em verdade política; os seus imitadores transformam o absurdo em decoração. E tanto no livro de Tavares como no filme de PTA sobra essa sensação de que alguma coisa essencial ficou por dizer, e de que o aparato estético serve, em última análise, para esconder essa ausência.
Talvez isto explique a receção crítica delirante. Há uma ansiedade profunda na crítica americana: a de encontrar “grande cinema político” num país onde o cinema se tornou cada vez mais decorativo. Assim, quando aparece um filme com antifa, far-right, guerrilha, paranoia… a crítica corre a abraçá-lo como se fosse obra séria. Confunde energia com inteligência; confunde imagens fortes com ideias; confunde caos com densidade. Há recensores a escrever que “a desorganização torna o filme mais realista” ou que “o facto de não se perceber tudo prova a grandeza da obra”. A confusão elevada à categoria de profundidade.
O problema não é o excesso. É falta de integridade. Tudo aqui podia dar origem a uma obra de risco, política, humana. Mas One Battle After Another transforma a radicalidade americana contemporânea num número de circo. Aparenta fúria. Aparenta crítica. Aparenta ambiguidade. Aparenta densidade. Mas é tudo apenas aparência.
Para fechar. Di Caprio, faz um papel idêntico ao de "Don’t Look Up" (2021). O homem falhado arrastado para a tragédia. Mas aí havia mundo, havia tese. Aqui fica só o molde, com tiques, mas composto de vazio.

Comentários
Enviar um comentário