On Falling. (2024). Laura Carreira

O filme de Laura Carreira, "On Falling", tem ambição e delicadeza, mas falha onde mais importa: na credibilidade do mundo que constrói. A protagonista, trabalhadora de um armazém na Escócia, cai numa espiral de pobreza e solidão depois de gastar 99 libras a reparar o telemóvel. O gesto é apresentado como o início da derrocada: sem comida, sem eletricidade, sem saída.

O problema é que nada disso é verosímil. Numa Europa onde o custo da alimentação básica é baixo, e onde quem tem um contrato de trabalho legal dispõe de mínimos sociais, a ideia de alguém ficar sem comer por causa de um vidro de telemóvel parte de uma falsificação do real. Não é a miséria que o filme retrata, é o desamparo convertido em metáfora.

Carreira não quer mostrar o realismo económico de uma vida precária, mas o desligamento existencial de quem já não sente pertença. No entanto, quando o filme se ancora num cenário reconhecível, um armazém de vendas online, a Escócia contemporânea, o espectador espera uma lógica interna coerente. Quando essa lógica se quebra, o pacto de verosimilhança emocional dissolve-se: deixamos de sentir com a personagem para apenas observar o artifício.

O que On Falling revela, sem querer, é como o cinema social europeu começa a afastar-se do chão que o tornava poderoso. Ao substituir o concreto pelo simbólico, Carreira transforma a dor real em alegoria. E, quando o real desaparece, a empatia também se perde.

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