Vadio (2022), Simão Cayatte

Há filmes em que o poder não vem do guião, mas da forma como a câmara decide existir no espaço. Vadio é um desses filmes. A história de dois jovens que se encontram num país cansado poderia ter caído na ilustração moral ou no comentário social previsível. Mas Cayatte filma de perto — quase demais — e essa proximidade altera tudo.

A câmara está colada ao corpo. Não observa: acompanha. O movimento dos ombros, o respirar curto, a maneira de desviar o olhar; é aí que se joga o filme. A referência é clara: os irmãos Dardenne. A narrativa não se constrói por explicação psicológica, mas pela força física de estar no mundo.

É por isso que Rubén Simões, o miúdo, carrega o filme. Ele não interpreta sofrimento: ele move-se como alguém que o conhece. Há verdade no gesto, no ritmo com que suporta a rua, no modo como protege o silêncio. A parceria com Joana Santos funciona, mas é ele que dá densidade, gravidade, permanência.

O problema é que o guião tenta conduzir o drama. Há um tema forte — o abandono — mas a escrita força-o, em vez de o deixar crescer a partir da relação e das circunstâncias. O miúdo tenta ficar. O filme empurra-o a partir. E sente-se essa descolagem: o corpo diz uma coisa, o argumento quer outra. É a câmara que salva o filme dessa rigidez, encontrando verdade onde a estrutura narrativa hesita.

No final, o que fica é a sensação de que Vadio encontrou uma linguagem e um actor antes de encontrar uma história à altura deles. Mas o que encontrou é suficiente para o tornar marcante.


4★

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