A Mulher da Areia (1962)
Kōbō Abe colocou um homem num buraco de areia e deixou-o ali por trezentas páginas. A premissa é poderosa: um professor de Tóquio enganado por aldeões, preso numa casa que precisa ser escavada todas as noites para não desaparecer sob a areia. É impossível não pensar em Camus, Kafka ou Beckett — todos eles a dizerem-nos que a vida é um círculo repetitivo sem saída. Mas onde Camus encontra clareza filosófica e Beckett arranca humor negro do vazio, Abe entrega-nos apenas areia, sempre a mesma, noite após noite.
A situação é de uma nitidez quase cruel: o trabalho absurdo de escavar areia, a prisão arbitrária da aldeia, o corpo como recurso biopolítico através do sexo e da reprodução. Tudo está ali para nos lembrar que a vida é feita de labuta sem propósito, normalizada até parecer natural. Nesse sentido, Abe não falha, o romance instala o leitor dentro da metáfora e obriga-o a respirar a sua poeira sufocante.
O que se percebe cedo, no entanto, é que não há variação dramática suficiente para sustentar um romance longo. O enredo não evolui; limita-se a repetir o ciclo: escavar, tentar fugir, voltar à escavação. Pequenas variações surgem, a invenção de recolher água, a relação com a mulher, mas não chegam para reanimar a narrativa. O resultado é um efeito de cansaço: o livro transforma-se num jogo de memória, em que o leitor coleciona paralelos entre cada gesto e a vida real.
Diz-se muitas vezes que The Woman in the Dunes é uma obra profundamente japonesa. Não senti. A areia aqui é tão universal quanto a pedra de Sísifo. O que muda é a estratégia: Abe não escreve filosofia, escreve uma alegoria dramatizada. A diferença é que, lida hoje, a máquina da metáfora já não surpreende. Talvez aos vinte anos eu tivesse achado este livro extraordinário, a experiência do absurdo como revelação. Aos cinquenta, percebo apenas o mecanismo. A alegoria é clara, mas esticada até ao limite, até perder a força. O resultado é mais exercício do que obra viva.
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