O tigre erudito
- Prémio Femina (2023);
- Prémio littéraire Le Monde (2023);
- Prémio Goncourt des Lycéens (2023);
- Prémio Les Inrockuptibles (2023);
- Finalista do Goncourt (2023).
Coloco aqui esta lista de prémios, pois sem eles não teria lido "Triste Tigre" (2023). Li com avidez, nos últimos anos, os também franceses, "Le Consentement" (2020) de Vanessa Springora e "La Familia Grande" (2021) de Camille Kouchner. Não queria voltar ao mundo da violação de crianças. Neste caso ainda menos porque ao contrário dos anteriores que usaram a literatura para acusar os predadores, Neige Sinno (1977) tinha já acusado e vencido em tribunal, em 2000, o seu padrasto que, de forma rara, foi sentenciado a 9 anos de cadeia, em 2000.
Sinno foi violada dos 7 aos 14 anos, por vezes mais do que uma vez por dia. Sinno, graças à sua curiosidade pelo mundo, foi uma das melhores alunas durante todo o seu percurso escolar, acabando por conseguir uma bolsa para realizar um Doutoramento em Literatura nos EUA. Sinno vive hoje, numa espécie de auto-exílio, no México, onde escreve e dá aulas numa universidade.
Graças às suas competências literárias, assim como à sua enorme curiosidade que se mantém intacta, Sinno escreveu um livro raro sobre um acontecimento muito mais frequente do que a sociedade, através da sua habilidade moral, nos deixa pensar.
Através das múltiplas ferramentas que a literatura disponibiliza — não-ficção criativa, crítica literária, análise psicológica, análise filosófica, análise política — recorrendo a diferentes géneros — memórias, autobiografia, monólogo interior, diálogo com o leitor, ativismo —, leva-nos por uma viagem através do sentir da pessoa violada, anos depois dos factos consumados, com todas as suas faculdades intelectuais amplamente desenvolvidas e capazes de escrutinar o mais ínfimo detalhe do que aconteceu, e especialmente no tentar compreender do porque aconteceu.
Não concordei com tudo o que disse. Mas quem sou eu para discordar de quem passou pelo que ela passou? E por mais que tivesse acreditado nessa minha discordância, contra a sua ideia de que a Literatura Não nos Pode Salvar —
"J’ai voulu y croire, j’ai voulu rêver que le royaume de la littérature m’accueillerait comme n’importe lequel des orphelins qui y trouvent refuge, mais même à travers l’art, on ne peut pas sortir vainqueur de l’abjection. La littérature ne m’a pas sauvée. Je ne suis pas sauvée." (p.133)
— acabei por humildemente ter de admitir que a razão estava toda do seu lado, porque como acaba explicando, as violações são imensas e vão continuar, e há pouco que consigamos fazer... —
"Nous sommes nombreuses, nous sommes nombreux. Chaque année des centaines de milliers de personnes s’éveillent ou s’endorment transformés en l’un ou l’une d’entre nous. Une armée des ombres. Une armée qui souvent se tait, qui fait sa vie en sourdine mais qui n’en pense pas moins. Et ce qui fait notre force ce ne sont pas de grands débats de dénonciation où nous aurions enfin le dessus sur nos bourreaux. Je sais que la supériorité morale n’est pas une victoire réelle en ce domaine. Je n’aurai jamais le dessus. Il n’y a pas de victoire possible sur ça, ou peut-être de petites choses de rien, des écarts sur le chemin. Comme des milliers de gens, j’ai été violée, j’ai été bafouée et trahie à l’âge où on n’a pas d’autre choix que de faire confiance" (p.178)
Comentários
Enviar um comentário