O simplismo de "Atomic Habits"

"Atomic Habits" (2018) está no top dos livros de não-ficção e de auto-ajuda há vários anos. Inicialmente não lhe prestei atenção, pois não me parecia trazer nada de novo. Contudo, com o passar dos anos, e com tanta recomendação, acabei por ceder a dedicar-lhe alguma atenção e tentar perceber o que tínhamos ali. A intuição inicial estava certa. Não só não há aqui nada de novo, como o que aqui temos apesar de poder parecer muito interessante para um número alargado de pessoas, pode transformar-se em algo problemático para quem padece de reais patologias do foro psicológico.

O problema, é que o comportamento humano é algo tão complexo como aquilo que faz de nós aquilo que somos, e se reduzido a conjunto de indicadores simplistas —que até podem ser aplicados no design de um serviço ou de uma máquina — não devem ser listados, vendidos, desta forma como prontos a resolver os problemas de tudo e todos. A isto juntam-se as certezas do autor, dignas do autoconvencimento do ChatGPT.

O método apresentado, CLEAR (Cue, Craving, Response, Reward) depois traduzido no que o autor define como leis — Obvious, Attractive, Easy, Satisfying —, tem um conjunto de bases relevantes, retirados da psicologia dos anos 1930-1950, mas que suportam apenas aquilo que interessa ao autor. A partir dos anos 1950 percebemos que aquilo que nos condiciona, que nos estimula, é mais complexo do que a campainha de Pavlov. Tem o seu lugar, mas daí a pensar que podemos refazer a nossa personalidade apenas através de comportamentos repetidos — grandes, pequenos ou atómicos — é de uma enorme ingenuidade. 

Pense-se nos contra-exemplos dados pelo próprio autor, quando diz que o problema de uma pessoa voltar a engordar depois de perder peso é a falta de estabelecimento de hábitos atómicos, esquecendo, que durante meses, e por vezes anos, essas pessoas viveram esses hábitos. Transformaram as suas vidas, as suas identidades, viveram os hábitos atómicos, automatizados, por meses, mas um dia acabam por ceder, quebrar e voltar aos velhos hábitos.

Somos mais complexos do que o ambiente, do que o comportamento, temos genes, temos hormonas, temos neurónios no cérebro e nos intestinos, somos feitos de uma infinidade de variáveis que podemos tentar controlar, gerir, e que para certas pessoas é realmente mais fácil do que para outras. Contudo, a mudança de comportamento continua a ser um dos desafios mais complexos do ser-humano.

Se quiserem realmente compreender como funciona a motivação aconselho a leitura de bibliografia de base científica, nomeadamente a Teoria da Auto-Determinação criada por Decy e Ryan, com estudos iniciados nos anos 1980, e que podem ficar a conhecer a partir do link acima.

Uma nota final, nada aqui é novo porque baseado em teorias que têm sido trabalhadas ao longo de décadas. No entanto, têm sido estudadas para compreender como funcionamos, podendo claro ajudar as pessoas em determinadas situações, mas que não podem ser apresentadas como aqui, como panaceia para toda e qualquer transformação comportamental humana.

Motivação Assente nos Interesses da pessoa 

Deci, Edward L.; Ryan, Richard M. (1985). Intrinsic Motivation and Self-Determination in Human Behavior. New York: Plenum. doi:10.1007/978-1-4899-2271-

Progresso em Pequenos Passos 

Amabile, T., & Kramer, S. (2011). The progress principle: Using small wins to ignite joy, engagement, and creativity at work. Cambridge, MA: Harvard University Press.

Design de Pequenos Hábitos 

Fogg, B. J. (2019). Tiny habits: The small changes that change everything. Eamon Dolan Books.

Fogg, B. J. (2009, April). A behavior model for persuasive design. In Proceedings of the 4th international Conference on Persuasive Technology (pp. 1-7).



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