Literatura de Viagem

"Border: A Journey to the Edge of Europe" (2017), não funcionou comigo. A búlgara Kapka Kassabova fala-nos de um lugar onde se cruza a fronteira entre a Bulgária, a Grécia e a Turquia, ao lado de um maçiço montanhoso, designado Strandja, que dá para o Mar Morto, tudo qualificado como a antiga região da Trácia. Quis muito ler, pensando que encontraria aqui mais uma pequena jóia como "Free" de Lea Ypi, contudo, acabou sendo uma enorme desilusão. Percebi só depois de ter desistido porquê. "Border" pertence a um género literário de que não sou particularmente fã, a Literatura de Viagem.


Não gostando muito de viajar, o meu problema com este tipo de literatura tem que ver com o facto de se centrar no Espaço-Tempo, o mundo que nos quer apresentar, deixando de fora os Personagens, as suas vidas, que é aquilo que realmente me interessa na literatura. Kapka Kassabova, é uma poeta que tudo faz para dourar exotismo do mundo que nos apresenta, mas que apesar de o fazer bem, o mundo é apenas uma coisa estática, sem desafios, sem problemas. Claro que aborda as populações, as vidas ali vividas, mas fá-lo como massas abstractas de seres humanos, parte desse tal mundo exótico. As pessoas, semi-personagens, que aqui encontramos são abstrações distantes com as quais nunca chegamos a estabelecer qualquer contacto. Conseguem ser interessantes, porque distintas do que conhecemos, mas o texto só nos permite apreciar as mesmas à distância.

Região da Trácia, onde se encontra a fronteira entre a Bulgária, Grécia e Turquia

Reconheço que o problema é meu, porque estabeleço um linha entre a ficção e não-ficção. Na primeira, procura conhecer o humano na sua densidade psicológica. Na segunda, procuro perceber o mundo na sua densidade factual. Os livros de viagem procuram um misto destes mundos, mas, para mim, ficam totalmente à superfície de ambos. Não é apenas a falta de aprofundamento psicológico dos personagens, dou o exemplo de uma menção que surge na primeira parte do livro designado por "Troca de populações", que me levou à Wikipédia para analisar de que falava a autora, já que o texto passa pelo assunto como algo vulgar, não precisando sequer quando ou porque aconteceu.

No fundo, estes livros de viagens não são muito diferentes das viagens de turista que fazemos quando visitamos um novo lugar por uns dias. Como se apenas provássemos o creme do café à superfície, uma parte suave e atrativa, mas bem distante do verdadeiro líquido negro de café, que fica totalmente por conhecer. Uma desilusão.



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