Laços de Domenico Starnone

Antes de avançar para a discussão da obra, quero enquadrar o contexto da sua relação com Elena Ferrante sobre quem existem muitas teorias a propósito da sua identidade. Uma dessas teorias refere Domenico Starnone como a pessoa por detrás do pseudónimo. Tendo agora lido ambos, não creio. Os mundos são muito próximos, mas o ponto de vista é muito distante, temos aqui claramente uma visão de um homem, enquanto em Ferrante temos a de uma mulher. A escrita em ambos é excecional, ainda assim Ferrante pontua acima pelo modo como consegue representar em texto o experienciar. Ajuda à confusão Starnone ser casado com Anita Raja, a tradutora que muitos também acreditam ser Elena Ferrante. Mas se tudo isto não passa de fait-divers, o que mais me interessa nesta proximidade é sem dúvida o modo como “Laços” (2014) pode ser visto como a continuação de “Os Dias de Abandono” (2002), aquele que é o meu livro preferido de Ferrante. 

Capa da edição italiana que prefiro à da edição portuguesa que li da Alfaguara

Na história de Ferrante somos colocados face ao estridente sentir interior de uma mulher abandonada com dois filhos por um homem que decide ir viver com uma miúda. Na história de Starnone, temos o reverso, o olhar desse homem que partiu, mas que decide voltar. Mas o voltar não responde aqui ao esperado, imaginado e necessário happy-end. Starnone enquadra o casal já em fim de vida, entremeado com flashbacks da vida construída após a aventura que tudo mudou. E se tudo é arquitetado na perfeição, a cereja acontece no modo como os filhos são chamados para o centro do palco e reagem ao todo, obrigando-nos a brincar, muito para além do fim do livro, com as metáforas do título do livro. Brilhante.

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