O Paraíso das Damas (1883)

“O Paraíso das Damas” é o décimo-primeiro romance da série Rougon-Macquart de Émile Zola, e um dos cinco mais reverenciados. A razão da reverência tem que ver com o trabalho de registo quase fotográfico de uma época, muito por força da abordagem naturalista porque é reconhecido Zola. É fim de século, 1880, já se fala aqui no século XX que há-de chegar, mas o relato dá conta de coisas que passados 140 anos continuam a perturbar as sociedades. Quem não se lembra da abertura dos Hipermercados no centro da Europa nos anos 1970, ou nos anos 1980 em Portugal? Quem não se lembra da chegada da Fnac nos anos 1990? E da chegada da IKEA nos anos 2000? E o que dizer atualmente da Amazon? O Paraíso das Damas é um grande armazém de tecidos e roupas, uma catedral de consumo, uma das primeiras, que viria a ser seguida em todas as outras áreas, das mercearias às ferramentas, das mobílias aos brinquedos, dos eletrodomésticos aos livros. O consumo tornou-se nos últimos 100 anos na principal atividade das sociedades capitalistas, porque é ele que faz girar tudo o resto, pelo que quanto maior o armazém, maior a oferta e a escolha e consequentemente maior o consumo. Mas para que estes grandes armazéns emerjam, sejam economicamente sustentáveis, é necessário que tudo à sua volta desapareça, negócios de família com décadas, séculos, podem ser destruídos em poucos meses ou anos. As margens de um grande armazém, pelas quantidades imensamente maiores de vendas, são inatingíveis pelo pequeno comércio, criando uma situação de morte anunciada para os mais pequenos.

Zola não realiza um discurso  em defesa dos pequenos proprietários, antes retrata os efeitos devastadores da chegada desses grandes armazéns, nomeadamente sobre esses pequenos negócios. Por várias vezes apelida o armazém de monstro:

:: “mas o colosso guardava a sua indiferença de máquina trabalhando a todo o vapor, inconsciente dos mortos que pode fazer pelo caminho”

O assunto é complexo, porque os grandes armazéns geram ganhos para os consumidores que de forma livre optam por comprar onde é mais barato. Por outro lado, estes grandes armazéns criam grandes monopólios, como está a acontecer com a Amazon, que dado o enorme poder adquirido consegue impor as regras de mercado que mais lhes convém.

Se o livro nos faz pensar nisto, nada disto é novo em pleno século XXI, apesar de o ser no século XIX. E por isso esperava algo mais, não da crítica, mas da história que fica bastante aquém de outros livros da série. Zola usa claramente os seus personagens, Denise Baudu e Octave Mouret como meros peões da informação que quer transmitir. Denise é a pobre irmã mais velha que chega a Paris com dois irmãos e precisa de criar condições para alimentar os seus irmãos. Mouret, o burguês que herda bens da família e da mulher com o que inicia todo um negócio que vai aumentando, graças às amizades junto da aristocracia que resolvem nele investir, até à construção do monopólio total. Ambos encontram-se no início do romance, mas mantém-se separados até à última página das 407 páginas. Na maior parte do tempo, não passam de decoração, já que Zola está demasiado ocupado a descrever tudo o que acontece em redor e no interior dos grandes armazés. Claramente que o personagem principal é o armazém, “O Paraíso das Damas”, mas ainda assim falta conflito. O armazém evolui, afirma-se, toma conta de tudo e de todos, mas as pessoas, nomeadamente Denise e Mouret, mantém-se as mesmas do início ao final, mesmo quando Denise perde família e amigos que geriam negócios concorrenciais. A leitura acaba sendo assim pouco engajadora, exigindo do leitor motivação própria para continuar a ler.

É um clássico que vale pela janela que abre para um mundo anterior, neste caso, bastante relevante por evidenciar que aquilo que vivemos hoje não tem nada de novo.

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