Reportagem a partir de um País Perdido

Novaya Gazeta foi um jornal independente pró-democracia criado na Rússia em 1993, reconhecido internacionalmente pelas suas reportagens de investigação com o prémio Nobel da Paz em 2021 atribuído ao fundador e chefe de redação Dmitry Muratov, com a menção: "pelos seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma condição prévia para a democracia e para uma paz duradoura". Desde 2000, este jornal perdeu 6 jornalistas, entre os quais Anna Politkovskaya, todos assassinados enquanto realizavam os seus trabalhos de investigação. Elena Kostyuchenko, descobriu a sua paixão pelo jornalismo quando tinha 14 anos, por volta de 2000, ao ler os textos de Anna Politkovskaya. Com apenas 17 anos, entrou para a equipa do jornal. Em 2014, foi quem demonstrou, através da sua investigação, que existiam tropas russas no Donbass. Com a invasão da Ucrânia em Fevereiro 2022, Kostyuchenko passou 4 semanas na linha da frente a reportar as atrocidades das tropas russas. Em setembro 2022, a licença da Novaya Gazeta seria totalmente revogada. Em outubro 2022, Elena Kostyuchenko sofria uma tentativa de assassinato por envenenamento no comboio a caminho de Munique. "I Love Russia" (2023), dá-nos acesso ao mundo vivido por Elena Kostyuchenko junto de muitas das pessoas que entrevistou, num registo a fazer lembrar a excelência do trabalho da nobel Svetlana Aleksievitch. O título, provocativo, diz-nos que a Rússia é, sempre foi, muito mais do que os seus líderes.


Kostyuchenko dá conta do que é ser-se jornalista num país em que a imprensa tem poucos ou nenhuns direitos, mas em essência atravessa as transformações ocorridas na sociedade russa, sob o comando de Putin, ao longo das últimas duas décadas com a sua eternização no poder. Existem vários episódios de investigações de grande relevância, não apenas os horrores cometidos pela Rússia na Ucrânia, a tortura e os assassinatos indiscriminada, mas também desastres ambientais como o da cidade mineira de Norilsk, no Ártico, ou os ataques à liberdade expressão e manifestação com a jornalista a ser espancada e presa várias vezes, e claro, o assassinato sucessivo de vários colegas jornalistas. 

Mas talvez mais impactante, se posso dizer assim, são os diálogos que quase levam à cisão entre Kostyuchenko e a sua mãe a propósito da Ucrânia, expondo a nu como uma televisão controlada pelo Estado consegue formatar a opinião das massas. A desinformação produzida pela Rússia é poderosa, repare-se que esta não produz apenas efeitos dentro do país, chegando a toda a Europa, incluindo Portugal, onde podemos ver o PCP e alguns, poucos, jornalistas, a apoiar e a defender as fakes postas a circular pela Rússia.

O final do livro termina com alguma decepção, pelo reconhecimento de que não conseguiu transformar o mundo através do sonho do jornalismo, ainda que se tenha transformado a si mesma.

“They revoked our license anyway, five months later. Novaya sued. It lost the case in every court.
Novaya Gazeta no longer exists.
Now, when we are not here anymore: no more editorial meetings, no pitch meetings, no fucking closing the issues, no running or swearing or crying reporters, no small victories or enormous and terrifying events that need to be compressed into stories. After everything I was ever afraid of actually happened, and I am empty, and I have nothing left to hold on to, I can think.
The motto for Novaya Gazeta was “Same Letters, New Words.”
How much does the word weigh?
 (sometimes, an entire living life)
Can the word stand up to armed tyranny?
 (no)
Can the word stop a war?
 (no)
Can the word save a country?
 (no)
Can the word save the person who says it?
It saved me.
But just me."

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