Kokoro, o silêncio, a moral e a culpa

Comecei a leitura de Kokoro , de Natsume Sōseki, com expectativa contida: sabia da reputação crítica, da reverência que a obra carrega na literatura japonesa moderna. O que não sabia, e talvez ninguém nos avise antes, é que se trata de um livro feito de adiamentos, de silêncios morais, de uma culpa que fermenta devagar até implodir. Durante mais de metade da leitura, resisti. O narrador — um jovem convencido da própria lucidez — circula em torno de um Mestre que se recusa a falar, a ensinar, a confessar. A mulher do Mestre parece ser a única figura viva, sensível, lúcida. E tudo o resto... gira, mas não avança. O leitor ocidental, acostumado a personagens com agência clara, pode facilmente sentir-se enganado por esta passividade narrativa. Mas então chega a terceira parte: a carta. E ali, sim, o livro encontra o seu núcleo, o kokoro , esse coração/mente/alma onde a vergonha, a traição, o desejo e a moral se enredam num nó trágico. O Mestre confessa não só o que fez, mas sobretu...