La madre de Frankenstein (2020)
Vim para La madre de Frankenstein atraído pela promessa de um romance histórico sólido, centrado na figura de Aurora Rodríguez Carballeira, uma mulher real cuja vida e crime têm peso trágico. Conhecia o seu caso e via nele potencial para um mergulho na psiquiatria do século XX, no contexto do franquismo, e numa reflexão séria sobre a loucura feminina e as estruturas de poder que a oprimiram. Esperava densidade histórica, complexidade psicológica e coragem narrativa.
O que encontrei foi um romance de cordel mascarado de literatura histórica. O Maison de Santé é pouco mais do que cenário para flirts, beijos furtivos e ressentimentos amorosos. A psiquiatria, os fármacos, o impacto das novas práticas médicas, tudo isso é relegado a notas de rodapé emocionais. O que deveria ser um retrato duro e preciso transforma-se num desfile de amores e desamores que poderia ter lugar num condomínio fechado em 2025.
Aurora, que dá nome ao livro, é tratada como um bibelô narrativo: aparece, limpa-se o pó, e volta-se a guardá-la na prateleira. Os capítulos em primeira pessoa são um exercício de repetição e caricatura, oferecendo pouco mais do que racionalizações simplistas do crime que cometeu. Não conhecemos verdadeiramente a filha, nem compreendemos a relação mãe-filha, nem sentimos qualquer mergulho real na sua mente. Aurora é um MacGuffin, um isco que promete um momento de revelação que nunca vem — e quando vem, é pobre, tardio e inconsequente.
O livro declara-se dedicado às mulheres internadas, sobretudo às que foram colocadas à forçam mas quase não lhes dá voz. As pacientes do hospital existem como sombras sem identidade, figurantes para reforçar o protagonismo do médico e da ajudante. E, como bónus ético duvidoso, coloca uma assassina como símbolo dessas mulheres, misturando tragédias de natureza distinta num caldo moral pouco recomendável.
O último capítulo é a machadada final: uma sucessão de “felizes para sempre” despacha personagens em três ou quatro parágrafos, incluindo figuras que nunca tinham aparecido antes. E a cereja no bolo é Germán, que num avião reencontra uma hospedeira que conhecia de vista e, num abrir e fechar de páginas, vai para a cama com ela. Décadas de recato auto-proclamado anuladas num upgrade súbito para “galã do ar”.
Paradoxalmente, o momento mais sincero do livro é a nota final, onde Almudena explica as suas fontes e agradecimentos. É aí que percebemos que existem outros textos e até um filme sobre Aurora. Mas isso não justifica que o romance em si nada nos diga sobre quem foi esta mulher, o que motivou o crime, ou quem era a filha. Ao sublinhar que o livro de Germán vendeu pouco por ser “mais ensaio que romance”, a autora parece insinuar que embrulhar tudo em novela foi a única forma de ser lida, o que soa mais a confissão involuntária do que a escolha estética consciente.
Este foi um dos maiores baldes de água fria que levei em dez anos de leituras. Não é apenas um mau livro: é um exemplo de como a literatura pode falhar o real, usar a História como decoração e a dor alheia como enfeite. Um romance histórico não se define por época e cenário, mas pela integridade com que trata os seus temas e figuras. La madre de Frankenstein não falha só como arte, falha como ética.
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