A Lucidez que Nos Quebra

Não há forma de suavizar o que se segue. Yiyun Li é professora em Princeton e perdeu os dois filhos por suicídio (2018, 2024). E também não há como suavizar este livro. Things in Nature Merely Grow (2025) é, antes de mais, um livro sobre a perda. Não a perda sentimental, aqui não há espaço para redenção. É a perda como dissolução da narrativa, como gesto radical de permanência no abismo. Yiyun Li não escreve para consolar, nem para explicar. Escreve para permanecer lúcida onde a maioria de nós se desfaria.


Li apresenta um livro de análise profunda sobre o que quer dizer estar vivo, sobre o que quer dizer o suicídio, sobre a aceitação da vida tal como ela nos é entregue — sem adornos, sem promessas, sem sentido imposto.

Aceitei esse pacto. Entrei no livro sabendo ao que ia, ou julgando saber. Disse a mim mesmo que acompanharia aquela lucidez até ao fim, mesmo sabendo que não seria confortável. Mas à medida que o livro avançava, sobretudo na segunda parte, quando Yiyun Li se detém na relação com os filhos, fui-me afundando lentamente. Não foi o relato das mortes que mais me tocou, foi o modo como ela as atravessa com uma clareza quase inumana, despida de ornamento, sem um traço de apelo emocional. A lucidez dela foi demasiado. Fui-me deixando ir, página a página, para dentro de uma tristeza que não era só dela, mas que se misturava com as minhas próprias inquietações, com as minhas perguntas de pai, de homem que também procura estruturas onde talvez só exista o fluxo.

Já perto do fim, encontrei uma fotografia dos filhos no colo do pai. Sorriam os dois, os rostos abertos à câmara, a vida ainda inteira. E nesse instante quase chorei. Não por pena — mas por espanto. Porque ali, naquele fragmento resgatado do tempo, ainda era possível acreditar que o amor bastava, que o colo protegia, que o mundo tinha chão. Depois voltei ao livro e li os parágrafos finais, onde Yiyun Li descreve um lápis partido no momento da morte, uma mochila devolvida, um telefone com uma fratura. “Estes são factos, também”, diz ela. E é nesses factos que se ancora, porque tudo o resto — a esperança, a narrativa, o sentido — já não lhe serve.

O marido de Yiyun Li, Dapeng, com os filhos Vincent, à esquerda, e James. Fotografia de Yiyun Li. The Guardian

Fechei o livro com um peso fundo sobre mim. Não me arrependo de o ter lido, mas não voltaria tão cedo. Este não é um livro que se recomende, é um livro que se testemunha. E talvez só quem esteja disposto a abdicar do consolo possa habitá-lo por inteiro. Eu fui até onde consegui. E voltei, não com respostas, mas com a certeza de que há formas de amor e lucidez que nos ultrapassam. Things in Nature Merely Grow é um desses gestos extremos: não nos dá a mão, mas mostra-nos que é possível continuar de pé, mesmo quando tudo parece perdido.

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