Hors-saison (2023)

Há filmes que só se compreendem depois da meia-idade. Hors-saison, de Stéphane Brizé, pertence a esse território reservado aos que já amaram, perderam e voltaram a ver o amor de frente, com a serenidade de quem já não espera nada. O filme fala na língua do depois, depois da paixão, depois da raiva, depois do tempo ter feito o seu trabalho silencioso.

Hors-Saison, foi traduzido para Portugal como A Vida Entre Nós

Durante a primeira metade, a música de Vincent Delerm parece querer ocupar espaço demais, como se Brizé desconfiasse da força do silêncio. Mas quando o reencontro amadurece e o que estava contido começa a vibrar, a música deixa de ser excesso para se tornar respiração. Cada nota traduz o que já não pode ser dito; a emoção muda de plano, e somos levados por ela sem defesa possível.

Ele é o centro narrativo, mas é através dela, Alice, que vemos tudo. O olhar feminino absorve o mundo, e é nele que o espectador adulto se reconhece. Ele carrega a culpa; ela, a lucidez. Entre os dois há o tempo, essa matéria invisível que substitui o perdão. Brizé não procura dramatizar, observa. O que move o filme é o peso moral da contenção.

Mathieu pede desculpa duas vezes, mas nunca se vitimiza. Não usa a fragilidade para obter compaixão. O que o trouxe ali — a crise, a necessidade de reencontro — é dito só no fim, por telefone, quando já não há espaço para manipulação. É um gesto de verdade tardia, limpo, que permite a despedida sem mágoa. O amor maduro não precisa de absolvição; basta-lhe a consciência.

Essa contenção estende-se à própria estética do filme. A praia invernal da Bretanha, virada ao Atlântico, amplifica o sentimento de ressonância: o vento frio, o céu cinzento, o rumor das ondas, tudo ecoa o interior das personagens. Brizé filma o Atlântico como quem filma o arrependimento. E nós, que vivemos junto ao mesmo mar, reconhecemos ali a textura do nosso próprio luto: a beleza austera do que não volta.

Hors-saison é o epílogo de Os Dias do Abandono. Onde Ferrante gritava o caos do colapso, Brizé sussurra o que resta depois. Se ela escrevia em jorros, ele filma em marés lentas. Ambos procuram o mesmo: a verdade do sentir, dada sem ornamento, fria e quente ao mesmo tempo. A vida, afinal, é isto, um sobressalto de alegria, uma pontada de dor, um prazer intenso, e nenhuma outra verdade que se possa contar.

Stream: FilmIn

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