Olhem Para Mim, (1983), Anita Brookner

GoodReads: ★★★★★ 5/5

No quarto capítulo de "Look at Me", quase desisti. Havia detalhe a mais, descrição a mais, e eu sentia que a história se perdia na observação do insignificante. Mas continuei e, sem perceber bem quando, comecei a querer voltar àquele mundo. Um mundo pequeno, contido, quase imóvel. Um terrário de emoções: tudo o que acontece lá dentro está delimitado e, por isso mesmo, seguro.

Anita Brookner constrói o mundo como quem organiza uma casa demasiado silenciosa; cada gesto, cada frase estão no sítio certo; com um ar é espesso, de contenção. Frances Hinton, a narradora, é uma mulher que vive rodeada de outros e, ainda assim, à margem. Observa-os, descreve-os, tenta compreendê-los. É através dessa observação obsessiva que sobrevive à ausência da chamada vida vivida.

O que antes me cansava — o detalhe — acabou por se tornar a própria razão da minha admiração. Brookner não descreve para enfeitar: descreve para existir. O olhar é o corpo da sua personagem. E é por isso que "Look at Me" não é um romance sobre o amor, nem sobre a necessidade de ser visto, mas antes sobre a necessidade de compartilhar o mesmo olhar, a mesma forma de ver o real.

Quando James aparece, parece oferecer a Frances uma promessa de reciprocidade. Ele é o seu acesso ao mundo dos outros, até que, no momento em que ela finalmente se entrega, ele lhe diz: “Contigo não.” Essa recusa não é apenas sexual. É existencial. Não é o corpo dela que ele rejeita, é o seu modo de ver. Brookner atinge aqui uma forma rara de crueldade moral: mostra-nos que a afinidade intelectual ou emocional não garante nada, que a compreensão é um luxo.

No fim, Frances não enlouquece, não se revolta, apenas aceita. E essa aceitação é o que há de mais doloroso: a constatação de que viver entre outros não é o mesmo que partilhar um mundo.

Fechei o livro reconciliado e comovido. Percebi que Brookner escreve para os que olham, os que tentam compreender excessivamente e sentem que o mundo dos outros passa sem se deter, correndo atrás de algo que não reconhecemos.

E talvez seja isso o amor, afinal: encontrar alguém que olhe como nós, para que possa, por fim, olhar para nós.

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