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IA Generativa, um gerador de novos factos

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Li dois livros seguidos sobre a febre da IA Generativa — o primeiro “Creativity Code” (2019), escrito por Marcus du Sautoy como resposta ao impacto do GPT-1, e “Brave New Words” (2024), escrito por Salman Khan, o guru que criou a Khan Academy , como resposta ao impacto do GPT-4 — e confesso ter ficado boquiaberto, não com os feitos do GPT, mas com o deslumbramento dos autores, principalmente no segundo caso, com o livro a funcionar como uma declaração de fé na IA Generativa, suportada diretamente pela Open AI e Bill Gates. Se acalentava dúvidas quanto ao efetivo impacto da IA Generativa fora do domínio criativo, o fervor apresentado por estes livros tornou bastante claro para mim que o rei vai nu. Tudo o que vou escrever a seguir tem que ver com IA Generativa que é distinta da tradicional IA Preditiva. A segunda está relacionada com o novo mundo em que vivemos, construído sobre informação digital, dados digitalizados, que em grande número se tornam quase impossíveis de analisar por nós...

Uma Teoria de Todos, por Michael Muthukrishna

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O livro “A Theory of Everyone: Who We Are, How We Got Here, and Where We’re Going” (2023) de Michael Muthukrishna é um sucessor de um conjunto de livros que usam a ciência para construir e apresentar uma visão global do ser humano neste planeta — tais como “Sapiens” (2011) de Y. N. Harari , “Guns, Germs and Steel” (1997) de Jared Diamond , e “ Cosmos ” (1980) de Carl Sagan —, indo mais longe, porque recorre ao conhecimento mais atual da ciência, mas mantendo as fragilidades naturais da generalização de sistemas complexos. Como tal, deve ser lido como uma narrativa em busca de uma visão agregadora de valor e significado, sabendo que a natureza não é planeada, mas improvisada. Ou seja, apesar da enorme credibilidade da argumentação apresentada por este autor, e pelos anteriores, é sempre necessário manter o véu da dúvida ativo.  Estas narrativas são imensamente atrativas para os nossos cérebros que estão desenhados para a construção de padrões e atribuição de significados. Tudo para ...

Adão e Eva

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Tinha gostado muito de “The Swerve” (2011) , e posso dizer que “ The Rise and Fall of Adam and Eve: The Story That Created Us ” (2017) não me desiludiu, ainda que esteja alguns pontos abaixo em termos de relevância e coesão. O foco deste trabalho é o significado da representação cultural de Adão e Eva desde os tempos da Babilónia. Greenblatt realiza uma viagem impressionante ao longo de 5 milénios, ainda que os pontos altos destaquem 3 grandes autores — Agostinho, Dürer e Milton. Ao longo das páginas ficamos a saber muito do que sabíamos, mas imenso do que desconhecíamos sobre a história e durabilidade do mito. Greenblatt refere-o como o mais duradouro, o que talvez não seja difícil explicar já que se trata de uma história sobre a Origem, mas é também uma história sobre um dos processo centrais da na nossa espécie, o sexo, e por fim, um mito que só pôde ser completamente derrubado em 1859 por Darwin. Greenblatt fez um levantamento sobre as origens do mito, assim como sobre os maiores r...

A Idade do Ferro (1990)

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Existe algo na escrita de Coetzee que me atrai e que faz com que me sinta sugado para dentro do mundo descrito nas suas páginas de cada vez que recomeço a sua leitura. Não há nada de muito especial em termos de narrativa ou de personagens, é mesmo o mundo criado e representado, com o Apartheid por detrás, que atrai toda a minha atenção e me faz seguir com enorme curiosidade a cuidada descrição de Coetzee. Neste livro seguimos uma professora universitária reformada que se envolve com um sem abrigo que vem parar à sua rua e com os filhos da sua empregada doméstica. Nesse envolvimento, dá-se conta de uma revolta que acontece nas escolas do país e depois do modo como a polícia lida com o assunto. Passa-se muito pouco à superfície, mas é no trabalho realizado por nós de completar tudo com o conhecimento do regime político da África do Sul que tudo ganha grande envolvência, fazendo com que, enquanto o lia, sentisse ansiedade por voltar continuamente àquele pequeno espaço mental criado pelo l...

Preparar a Próxima Vida

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A primeira constatação a fazer é relativa às competências de observação e descrição de Atticus Lish que parece dotado de memória fotográfica. Não falo daquelas descrições do século XIX, dos edifícios e das flores, mas de algo bem mais complexo, da vida em movimento. Lish não nos dá apenas a ver onde os seus personagens estão, dá-nos a ver o modo como se movem, como se comportam, como falam, assim como pensam. A verossimilidade das descrições é de tal ordem que ao fim de algumas páginas tive de ir à procura da história de vida do autor para confirmar que ele tinha mesmo vivido na China e que se tinha alistado nos US Marines. É daqui que vem toda a força de “Preparação para a Próxima Vida” (2014) que é o primeiro livro do autor, publicado nos seus 42 anos, mas também do foco nos invisíveis das sociedades desenvolvidas, aqueles que fazem o trabalho que ninguém quer e conseguem ser pagos abaixo do salário mínimo porque não têm papéis. Atticus Lish entrega-nos uma personagem principal, Zou...

Cartas para o futuro

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“ Season: A Letter to the Future ” (2023) apresenta um mundo-jogo recriado a partir da mistura entre o jogo “ Journey ” (2012) o universo visual de Hayao Miyazaki para nos oferecer um universo-história muito particular, um fim-do-mundo acolhedor! No mundo do jogo, a cada nova estação quase tudo termina, quase tudo muda, perdendo-se muita da cultura criada. Para contrariar essa perda o personagem principal recebe como missão da sua mãe ir pelo mundo e registar o máximo possível para as gerações vindouras. Para o efeito, leva consigo um caderno no qual pode registar fotografias, desenhos e sons, viajando por meio de uma bicicleta.  “Season” oferece-nos 8 horas de relaxamento, obrigando-nos a reduzir a velocidade do dia-a-dia, a parar para olhar e apreciar o que existe à nossa volta. Não temos objetivos concretos, cabe-nos passear, ver o máximo de coisas e registá-las. Todo o mundo audiovisual assim como o fluxo interativa funciona no sentido de apaziaguamento, próximo de Journey, mas...

Laços de Domenico Starnone

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Antes de avançar para a discussão da obra, quero enquadrar o contexto da sua relação com Elena Ferrante sobre quem existem muitas teorias a propósito da sua identidade. Uma dessas teorias refere Domenico Starnone como a pessoa por detrás do pseudónimo. Tendo agora lido ambos, não creio. Os mundos são muito próximos, mas o ponto de vista é muito distante, temos aqui claramente uma visão de um homem, enquanto em Ferrante temos a de uma mulher. A escrita em ambos é excecional, ainda assim Ferrante pontua acima pelo modo como consegue representar em texto o experienciar. Ajuda à confusão Starnone ser casado com Anita Raja, a tradutora que muitos também acreditam ser Elena Ferrante. Mas se tudo isto não passa de fait-divers, o que mais me interessa nesta proximidade é sem dúvida o modo como “Laços” (2014) pode ser visto como a continuação de “ Os Dias de Abandono ” (2002), aquele que é o meu livro preferido de Ferrante.  Capa da edição italiana que prefiro à da edição portuguesa que li ...